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Tendências Mundiais

Milícias combatem islamitas no Mali

POR ADAM NOSSITER

Recrutas cheios de disposição, mas com pouco treinamento

MOPTI, Mali - Centenas de jovens estão vivendo em campos de treinamento improvisados próximos a esta cidade de 100 mil habitantes, acordando às 4h para fazer exercícios físicos e combates corpo a corpo, preparando-se para o dia em que possam libertar o norte de seu país, o Mali, dos radicais islamitas cujo domínio já levou milhares de civis a fugir do país.

Os recrutas quase não possuem armas, dispõem de pouca instrução militar e precisam dormir no chão. Eles não fazem parte do Exército. Um treinador trajando um uniforme esfarrapado grita "apresentar, armas!", mas não há armas a apresentar.

No entanto, os rapazes (e algumas moças) que integram essas milícias cidadãs, quase na linha do front real com os islamitas, têm algo que parece fazer falta ao Exército malinês regular: uma vontade ferrenha de acabar com a conquista do norte do Mali por jihadistas, que disseminam alarme entre governos de todo o mundo, suscitaram ameaças de uma força de intervenção regional e têm promovido espancamentos, açoitamentos e até mesmo apedrejamentos públicos.

Desde que o Exército malinês depôs o presidente, em março, pondo fim a um governo democrático, o país perdeu o controle sobre sua região norte desértica.

Combatentes determinados a implementar uma vertente linha dura do islã e da sharia -entre eles há membros da Al Qaeda no Magreb Islâmico- dominaram a cidade de Timbuktu e outros locais estratégicos, espalhando o terror, destruindo santuários históricos e agredindo cidadãos nas ruas.

O Exército malinês parece estar desorganizado, preocupado em reprimir revoltas em suas próprias fileiras e entre a população do sul do país. Soldados que se opõem à Junta Militar vêm sendo torturados, jornalistas foram abduzidos e o comando militar parece estar mais interessado em enfrentar rivais ao redor da capital que em combater os islamitas no norte.

Em vista de suas divisões internas e sua relutância em enfrentar os islamitas, o Exército aprova as novas milícias, alimentando-as, fornecendo instrução e autorizando-as a abrigar-se e treinar em terrenos públicos abandonados.

"Estas milícias são muito boas", disse o coronel Didier Dacko, comandante das forças do Exército malinês aqui em Mopti. "Temos contato constante com elas. E as estamos ajudando com alimentação e instrução."

Outros países da África ocidental se propuseram a enviar uma força regional de 3.000 soldados para ajudar o Mali a recapturar seu território norte. Mas o plano ainda precisa ser aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, e o coronel Dacko disse que ainda falta muito para qualquer ofensiva formal, com ou sem apoio internacional. Na realidade, o coronel declarou que seus homens nem sequer realizam patrulhas nas áreas em disputa.

Contrastando com isso, os líderes das milícias, alguns dos quais são veteranos das guerras de guerrilha travadas nesta nação problemática da África ocidental desde seu nascimento, insistem que seus jovens combatentes estariam prontos para entrar em ação, se dispusessem de armas.

"Estamos perdendo tempo", disse Amadou Mallé, miliciano veterano e ex-contador que é diretor de treinamento no acampamento das FLN, ou Forças de Libertação das Regiões do Norte, uma das três milícias principais aqui.

"O inimigo está se implantando. Temos pressa de agir, muita pressa", afirmou Mallé, que trajava um uniforme abandonado pelo Exército após a queda de Timbuktu.

Os líderes das milícias dizem estar fartos de ficar esperando um Exército que não dá sinais de tomar uma iniciativa.

"Vou fazer uso de meus meios, que são muito poucos, para me adiantar ao Exército", disse Ibrahim Issa Diallo, ex-soldado que se declara o chefe militar do grupo Ganda Iso, ou "Filhos da Terra". "Nosso objetivo é libertar o norte do país, custe o que custar. Não podemos abandonar nossos parentes. Os islamitas estão se casando com nossas filhas."

Do lado de fora, num campo pertencente ao Estado e vigiado por rapazes armados, centenas de jovens estavam sentados sobre esteiras. Segundo Diallo, há 4.000 deles que esperam apenas o momento de enfrentar os islamitas.

A diferença de forças parece quase insuperável. Em confrontos anteriores, os islamitas fizeram o Exército malinês bater em retirada. No entanto, no acampamento da FLN, havia apenas dez metralhadoras leves montadas -e o arsenal do grupo se limitava a isso.

Fatoumata Touré, 23, de Niafunké (perto de Timbuktu), uma área dominada pelos islamitas, agarrou uma das armas, sem jeito. Ela nunca tinha tido um rifle nas mãos. Mas disse que jamais aceitará a presença do grupo islamita Ansar Dine. "Este é nosso país", disse ela. "Os costumes deles não são os nossos."

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