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Na Síria, o pão já é tão crucial quanto as balas

Este artigo é de um funcionário do "The New York Times" na Síria e de Damien Cave

ALEPPO, Síria - Pouco antes do alvorecer, um grupo de rebeldes sírios se afasta da linha de combate para uma tarefa que seus comandantes agora consideram ser uma parte vital do esforço de guerra: assar pão.

O pão, item básico da dieta síria, é distribuído com rapidez entre rebeldes e moradores famintos. Numa cidade paralisada por semanas de guerra, o comércio básico se tornou ele próprio um campo de batalha.

"O regime tem tentado privar nossos partidários de água e gasolina, e agora eles estão usando o pão", disse Basheer Hajeh, membro da Brigada Al Tawhid, uma das milícias rebeldes de Aleppo. Mas ele disse que os insurgentes já aprenderam a reagir contra essa escassez.

"Tomamos o controle dos armazéns de trigo nos subúrbios de Aleppo", disse ele. "Temos muitos deles, em várias áreas, e eles podem nos manter abastecidos durante semanas."

A luta para manter as padarias em funcionamento é parte de uma disputa mais ampla pela economia síria, especialmente em Aleppo, maior cidade e principal polo comercial do país. Enquanto o governo do presidente Bashar Assad tenta projetar uma imagem de normalidade, negando relatos de inflação descontrolada, os rebeldes dizem estar encontrando novas maneiras de atrair o apoio da classe empresarial e de desviar recursos governamentais.

O economista libanês Kamal Hamdan, que já trabalhou na Síria, disse que ambos os lados estão tentando substituir a economia dos tempo de paz por alternativas de guerra.

"Eles estão esperando uma guerra civil prolongada e é preciso sustentar a vida cotidiana nas áreas sob seu controle", disse ele. "É parte do jogo."

O governo tem uma vantagem clara. Seu Banco Central informou possuir, um mês depois do início do conflito, reservas em torno de US$ 17 bilhões. Segundo um consultor de investimentos em Damasco, o governo agora parece estar solicitando empréstimos à Rússia para continuar amparando a economia. Muitos analistas também suspeitam que os sírios tenham uma maneira de vender petróleo, apesar das sanções da Europa.

Mas, após 17 meses de conflito, a oposição está se tornando mais criativa. Em Damasco, ativistas dizem haver mercadores que fingem apoiar Assad, só para desviar para o outro lado o óleo de cozinha, a gasolina, o pão e a água distribuídos pelo governo.

Os rebeldes também estão conseguindo criar cadeias de distribuição que, com a ajuda de empresas, contornam áreas controladas pelo governo. Em entrevistas, comandantes e ativistas da oposição não quiseram identificar seus apoiadores, nem discutir a ajuda de países como o Qatar e a Arábia Saudita.

Mesmo assim, Aleppo está particularmente desesperada. Vários vídeos divulgados na internet aludem a uma crise alimentar e alguns confirmam que as padarias se tornaram postos avançados da oposição, com longas e barulhentas filas dobrando esquinas.

Outros itens de necessidades básicas têm sido mais difíceis de administrar. Os rebeldes disseram que o leite está praticamente indisponível. O preço da gasolina triplicou, atingindo quase US$ 3 por litro. O valor do diesel e do combustível de cozinha disparou, assim como o preço dos legumes e das verduras.

Grandes empresas de Aleppo também estão sofrendo e muitos moradores agora dizem que os inimigos de Assad vão se multiplicar a cada dia em que ele insistir em lutar, gerando mais desemprego, mais desabrigados e mais fome.

"Eu o apoiava porque o via como um líder moderado, laico e liberal, mas isso foi até que eu visse seus crimes em Deraa, Homs, Hama, Deir Ezzor e agora na minha cidade e contra os meus parentes", afirmou Abu Fadi, 45, dono de uma agência de viagens à beira da falência em Aleppo. "Com seus crimes, ele está comprando uma passagem só de ida para fora do país."

Colaboraram Dalal Mawad e Hawaida Saad, reportagem de Beirute

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