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Legado cultural em risco

Por PATRICIA COHEN

Conservacionistas e arqueólogos avisam que os combates na capital comercial da Síria, Aleppo -o assentamento humano continuamente habitado mais antigo do mundo- ameaçam danificar irreparavelmente o assombroso legado arquitetônico e cultural deixado por 5.000 anos de civilizações.

Os portões de ferro maciço da imensa Cidadela medieval de Aleppo foram destruídos num ataque com míssil, disse Bonnie Burnham, presidente do Fundo de Monumentos Mundiais, que trabalha na preservação de sítios de patrimônio cultural.

O fundo vem cooperando com a Fundação Agha Khan de Cultura, o Ministério da Cultura sírio e arqueólogos alemães para escavar e restaurar o sítio.

As forças do presidente Bashar Assad bombardeiam a cidade e, segundo relatos de jornalistas, assumiram posições no interior da Cidadela, trocando disparos com insurgentes. Erguida sobre um monte rochoso maciço, a Cidadela é um importante ponto militar estratégico há milênios.

Entre os sítios arqueológicos importantes que se encontram em risco está o Templo do Deus da Tempestade, que data do segundo milênio a.C. e que Burnham identificou como uma das estruturas mais antigas do mundo. Nunca aberto ao público, o templo (que foi descoberto recentemente) e seus imensos relevos esculpidos estão protegidos apenas por sacos de areia e um frágil telhado de zinco, segundo ela.

As ruas labirínticas de Aleppo revelam um microcosmo da história humana. Sob a Cidadela há resquícios de frisos da Idade do Bronze e fortalezas romanas. A Cidade Velha, cercada por muralhas, com sua Grande Mesquita do século 12, milhares de casas medievais em cores pastéis com pátios internos, bazares árabes, madrassas de pedra do século 17 e um palácio otomano, é reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco, a organização cultural das Nações Unidas.

No início deste mês, a emissora Al Jazeera filmou rebeldes falando sobre capturar a Cidadela.

Bonnie Burnham contou que foi informada sobre a destruição por arqueólogos nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio que têm mantido contato com testemunhas em Aleppo.

"Há muito o que perder aqui, a área cultural mais rica do Oriente Médio", lamentou ela.

Situada na encruzilhada de rotas comerciais da antiguidade, Aleppo já assistiu à ascensão e queda de impérios. Os Exércitos de Alexandre, o Grande, Genghis Khan, Tamerlão e do general muçulmano Saladino atacaram e defenderam a cidade.

Em 1996, arqueólogos alemães e sírios escavaram parte do templo de 5.000 anos. O local contém um friso de relevos em basalto esculpidos pelos antigos hititas, cujo império se estendia da Anatólia até o norte da Síria.

Outros tesouros incluem um relevo do deus da tempestade, do século 14 a.C., e duas esculturas de dois metros de altura de um leão e uma esfinge.

O Fundo de Monumentos Mundiais e a Fundação Aga Khan planejavam erguer um museu e um parque de 17 hectares no sítio, mas desistiram do projeto devido à instabilidade crescente na Síria, segundo Burnham.

A Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural em Conflitos Armados exige que os países garantam a segurança de sítios culturais, monumentos, museus e bibliotecas importantes. Mais de 120 países firmaram a convenção, incluindo a Síria. Mas foi feito pouco para proteger os sítios de maior valor, segundo os conservacionistas.

O urbanista Jörg Esefeld, que assessorou a Fundação Aga Khan em Aleppo, escreveu em e-mail que "um patrimônio cultural insubstituível está exposto à demolição. Este é uma questão não apenas para a Síria -será uma questão para todos nós, para o mundo inteiro."

Mas Ed Husain, membro do Council on Foreign Relations, comentou: "De um governo que não hesita em matar sua própria população, não se pode esperar que respeite e preserve monumentos históricos. Tudo é sacrificável em nome do controle do país."

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