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Inteligência/Robert Kuttner

As gafes de Romney e um partido dividido

BOSTON

Uma economia ruim é geralmente fatal para presidentes em exercício nos EUA. Mas, apesar de uma fraca recuperação, o presidente Obama parece ser o favorito para a reeleição.

O principal motivo disso é que Obama tem um adversário incrivelmente fraco. Desde a desastrosa viagem pela Europa de Mitt Romney, que incluiu um insulto gratuito ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, a sua desajeitada tentativa de obter dividendos políticos com o recente assassinato em Benghazi do embaixador americano Christopher Stevens, a um dos piores discursos já feitos em convenções (segundo a pesquisa Gallup), os tropeços do candidato presidencial republicano estão levantando sérias dúvidas entre os eleitores sobre suas opiniões e sua capacidade de governar.

Romney, um moderado que conseguiu o posto de governador em 2002 no Estado liberal de Massachusetts, também sofre com um partido dividido. Ele ganhou a nomeação somente depois que todos os adversários conservadores falharam.

Para energizar a base republicana, Romney indicou como seu companheiro de chapa um agressivo jovem conservador, o deputado por Wisconsin Paul Ryan. Mas algumas das posições de Ryan alarmam o eleitorado mais amplo. Ele propõe transformar o popular programa público de seguro-saúde Medicare em um subsídio limitado, exigindo que os cidadãos idosos comprem seguros particulares com cupons que cobrem parte dos custos.

Nas eleições para o Congresso em 2010, os democratas perderam o voto dos idosos. Mas em meados de setembro, uma pesquisa New York Times/CBS revelou que 75% dos eleitores mais velhos querem manter o Medicare público e hoje confiam mais nos democratas que nos republicanos para defendê-lo.

Um vídeo feito com câmera escondida em uma reunião com doadores em maio passado, e que vazou em setembro, mostra Romney explicando que os 47% da parcela inferior da população americana não pagam impostos federais mas recebem benefícios, e nunca votariam nele. São pessoas, ele disse, "que acreditam que são vítimas, que acreditam que o governo tem a responsabilidade de cuidar delas".

Vários líderes republicanos ficaram chocados. Peggy Noonan, uma ex-redatora de discursos para Ronald Reagan, escreveu: "Está na hora de admitir que a campanha de Romney é incompetente". Mas outros cumprimentaram o candidato por adotar o tema dos aproveitadores que vivem de um governo inchado.

Esses rachas não serão facilmente superados. Com George W. Bush, os republicanos tiveram um presidente conservador o suficiente para a direita, mas suficientemente da corrente dominante para se eleger com apoio dos moderados. Com o Partido Republicano cativo de sua facção populista de direita, o Tea Party, esse ato de equilíbrio torna-se cada vez mais difícil; exige um político incomumente hábil -e esse não é Mitt Romney.

Graças aos "foras" em série de Romney, Obama abriu uma liderança de 6 pontos nas pesquisas nacionais. Ainda faltam três debates presidenciais -o primeiro marcado para 3 de outubro- em que Obama é considerado o mais eficiênte e Romney é conhecido pelas gafes improvisadas.

Muitas coisas ainda poderão dar errado para Obama, entre as quais a economia frágil e um Oriente Médio sísmico.

Os comentários de Romney confirmaram o que muitos eleitores há muito suspeitavam: ele tem o desprezo de um homem muito rico pelos trabalhadores comuns. Sua campanha se esforçou para retratá-lo como um sujeito que por acaso teve sucesso econômico. Mas o candidato continua torpedeando esses esforços, permitindo que Obama, apesar de sua herança exótica, pareça o homem mais comum.

Mas Romney acertou uma coisa em seu estranho comentário sobre os 47%. Em um país dividido, a metade dos eleitores não apoiará Obama, enquanto a outra metade não apoiará Romney mesmo que a economia piore. Por enquanto, a pequena fração intermediária se inclina para Obama.

Se Obama vencer, é improvável que a direita republicana conclua que suas ideias eram radicais demais. É mais provável que eles acreditem que perderam porque seu candidato era incapaz.

O candidato a vice-presidente Ryan, queridinho da direita, será o provável favorito a próximo nomeado presidencial, e os republicanos no Congresso provavelmente vão redobrar seus esforços para bloquear Obama em seu segundo mandato.

Isso seria uma tragédia para o país. Pois há problemas febris, de uma recuperação estagnada a uma dívida que se aprofunda, que só podem ser solucionados pela colaboração bipartidária que Obama pensou que ofereceria ao assumir o cargo.

Claramente, essa oferta foi recusada. Apesar de sua relutância em polarizar, para ter sucesso em um segundo mandato Obama teria de ser muito mais duro com a oposição para avançar na luta contra a economia estagnada e lembrar aos eleitores como os republicanos se tornaram um partido extremista.

Esse extremismo pode não significar muito para a maioria dos americanos. Mas a estratégia republicana de obstruir o governo, e então apontar sua incompetência para resolver os males nacionais, repercute entre os eleitores -e com a crise podem eleger uma maioria no Congresso ou um presidente. Mesmo que os republicanos percam feio em novembro, será um longo caminho de volta a um partido de moderação e bom governo, quanto mais ao partido de Lincoln.

Robert Kuttner é coeditor do livro "The American Prospect" e membro sênior da Demos. Seu último livro é "A Presidency in Peril"

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