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Ferrugem vira ouro em Cuba

Por VICTORIA BURNETT
HAVANA - Até semanas atrás, o decrépito automóvel de Erik González praticamente só servia para devorar o pequeno rendimento do dono. Ele gastou centenas de dólares para consertar o seu carro, um Moskvich com 30 anos de uso, herdado do avô em 2000. Mesmo quando ele funcionava, González raramente tinha dinheiro para a gasolina.
Aí, da noite para o dia, o carro soviético virou o seu pé-de-meia.
González o colocou a venda no mês passado, quando o governo divulgou as regras que permitem, pela primeira vez em meio século, que os cubanos vendam carros usados.
Ele acha que seu Moskvich vale uns US$ 5.500, uma pequena fortuna para um garçom cujo salário pago pelo Estado -sem levar em conta gorjetas e extras -é de apenas US$ 15 por mês.
Como a nova lei que autoriza a venda de imóveis, em vigor desde o mês passado, a mudança é parte dos esforços do presidente Raúl Castro para remodelar a claudicante economia cubana.
Após décadas em que a propriedade de bens caros foi congelada, as medidas irão injetar dinheiro na economia, num momento em que as autoridades tentam estimular a iniciativa privada e tirar milhares de trabalhadores da folha de pagamento pública.
Mas, como ocorre com as outras reformas, criou-se um bolsão de liberdade econômica num mercado ainda rigidamente controlado. Os cubanos podem adquirir e manter mais de um carro usado, e não perdem mais o veículo se emigrarem.
O direito de comprar um carro novo ainda está limitado a um pequeno grupo de cubanos que ganham em moeda estrangeira, incluindo médicos, artistas, aeronautas e funcionários cubanos da base de Guantánamo.
"Essas regras não têm lógica", disse o taxista Leopoldo, num reluzente Tatra 1985. "Mas nada neste país tem lógica. Mantiveram tantas restrições em vigor por tantos anos que não se esperava que fossem suspendê-las de uma só vez."
Placas de "vende-se" já começaram a aparecer nas janelas dos carros. Muita gente que havia adquirido um veículo ilegalmente está dando um jeito de validar o negócio. Mas, por causa dos limites às importações, os carros continuarão sendo escassos, e, portanto, negociados a preços exorbitantes.
"Um carro que em outro país você pagaria para destruírem aqui custa US$ 14 mil", disse o mecânico Paul Gómez Valladares.
Antigamente, os cubanos podiam negociar livremente carros anteriores à revolução de 1959, daí os famosos carrões americanos que trafegam pelas ruas. Mas eles são apenas uma pequena fração dos carros usados do país.
Já havia um mercado paralelo de automóveis, mas os compradores tinham receio de pagar grandes quantias por um carro, sem se tornarem juridicamente donos dos veículos.
Emilio Morales, presidente do Havana Consulting Group, de Miami, disse que as novas regras -como as autorizações anteriores para que os cubanos tenham celulares e computadores, ou trabalhem no setor privado- simplesmente legalizaram o que muitos já faziam ilicitamente, e não irão nem aumentar a antiquada frota cubana, nem aliviar o esmagador problema dos transportes. Para Morales, a medida se destina a aplacar a população, e não a estimular a economia. "Essa é uma das válvulas de pressão política deles [governo]."
O rígido controle das exportações produziu um curioso -e esparso- movimento de veículos nas ruas cubanas, refletindo sua história comunista. Oldsmobiles e Plymouths, relíquias do passado capitalista do país, atualmente funcionam como táxis, um lucrativo nicho no florescente setor privado do país. Utilitários esportivos pertencentes a estrangeiros ou a artistas famosos, parte da nova elite econômica do país, passam zunindo por carros soviéticos, que nas décadas de 1970 e 80 eram usados para recompensar trabalhadores bons.
O Estado cobra US$ 28 mil por um Hyundai Accent novo. Mas um cubano que tiver a sorte de obter autorização para a compra de um poderá então revendê-lo por cerca de US$ 10 mil a mais no mercado de usados, segundo o dono de uma agência de veículos.
Só a autorização pode custar entre US$ 4.000 e US$ 10 mil no mercado negro, segundo proprietários, mecânicos e agentes. Isso num país onde o salário médio é de cerca de US$ 20.
"Os preços aqui são absurdos, mas a rua é que determina o preço", disse Alejandro, que estava vendendo seu Accent 2008 por US$ 30 mil. "Você está pagando não é propriamente pelo carro, e sim pelo direito de possuir um."

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