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Deslizando pela neve, com a ajuda de fios

Por CHARLES McGRATH
Os seis bonecos de um metro de altura de "69˚S." são homens, mudos e celibatários. Trajando botas, capuzes, casacos pesados e luvas de pele, o que fazem é deslizar, do jeito leve e de costas rígidas que é típico de marionetes, por uma paisagem antártica, de quando em quando caindo de quatro, exaustos, ou esfregando as mãos diante de uma fogueira imaginária. Eles atravessam distâncias vastas, para bonecos, porque são operados por bonequeiros que se deslocam sobre pernas de pau.
Sessenta e nove degraus sul é a latitude na qual o navio de Ernest Shackleton afundou durante sua malfadada mas heróica expedição de 1914, e a peça é uma evocação das provações pelas quais ele e seus homens passaram até serem resgatados dois anos mais tarde.
Mesmo pessoas que odeiam marionetes podem achar difícil resistir a esses bonecos, com seus rostos de papel machê congelados em uma expressão de determinação dolorosa, enquanto suportam não apenas o frio e escuro polares e a perda de seu navio, mas também cenas astrais projetadas no pano de fundo, uma trilha sonora agitada e pouco convencional, e dançarinos usando agasalhos vermelhos, com capuzes. O trabalho multimídia da Phantom Limb estreou em 2 de novembro no Festival Next Wave da Brooklyn Academy of Music.
Numa sessão de pré-estreia, os homens de vermelho foram o elemento que mais provocou perplexidade. Mais tarde, uma pessoa no público aventou a hipótese de eles representarem o aquecimento global. Um garoto tinha sugerido antes que eles seriam guerreiros ninjas.
Jessica Grindstaff, que criou a obra com Erik Sanko, seu marido e co-diretor artístico da Phantom Limb, disse que nem mesmo ela tem plena certeza do que significam os homens de vermelho. Disse que os viu em um sonho em 2009, pouco depois de ela e seu marido terem pedido uma ajuda de custos para viajar ao Polo Sol e ter uma experiência em primeira mão da paisagem percorrida por Shackleton. A ideia de colocar os bonequeiros sobre pernas de pau foi de Sanko, que também compôs a música. Ele ficou impaciente com o espaço limitado de um palco de marionetes, então imaginou bonequeiros móveis e uma produção toda de branco.
A peça ainda é uma obra em progresso. A coreógrafa, Andrea Miller, descartou a maior parte de seu trabalho uma semana antes da pré-estreia e entregou danças novas aos bonequeiros horas antes de o primeiro espetáculo começar.
"Jessica e Erik são muito respeitados, mas esta é uma iniciativa muito grande para eles", falou Mark Russell, produtor e diretor artístico do Festival Under the Radar, do Public Theater. "O teatro de bonecos para adultos já avançou muito nos EUA, mas eles o estão levando a um novo nível. O trabalho deles exige que você mergulhe na paisagem visual e não seja tão linear, tão amarrado a um texto. Eles criaram uma espécie de espaço onírico."
Segundo Carlton Ward, que opera o boneco de Shackleton, mesmo com ensaios, as apresentações foram exaustivas.
"Às vezes penso em nosso grupo em termos da história de Shackleton, a sobrevivência, a camaradagem, a união de equipe", disse Ward. "Não estou dizendo que passamos por qualquer coisa parecida com o que eles viveram. Não ficamos presos na Antártida por dois anos. Mas há um desafio físico no que fazemos, e nós permanecemos unidos. O que foi que Shackleton disse? Alguma coisa como 'o otimismo é a forma mais elevada de coragem moral'."

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