São Paulo, segunda-feira, 01 de fevereiro de 2010

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Monastério sírio une peregrinos de distintas fés

Por ROBERT F. WORTH

DEIR MAR MOUSA, Síria - Enquanto cai a noite sobre o vasto deserto sírio e as primeiras estrelas do inverno aparecem no céu, uma fila indiana de peregrinos modernos sobe lentamente os degraus de pedra desse mosteiro isolado no alto de um penhasco.
Eles são um grupo heterodoxo de buscadores religiosos e mochileiros de uma dúzia de países. Alguns esperam encontrar sabedoria divina; outros são apenas curiosos. Mas todos querem conhecer o reverendo Paolo Dall'Oglio, o robusto e dedicado padre jesuíta que fez desse santuário da Antiguidade um centro de diálogo cristão-muçulmano.
"Alguns dizem que esta igreja lembra uma mesquita", disse o padre, enquanto seus convidados aqueciam as mãos geladas sobre um fogão a lenha. "Isso é motivo de orgulho para nós."
Padre Paolo, como é conhecido, chefia um grupo de dez monges, freiras e voluntários que recebem convidados durante o ano todo e se esforçam para criar harmonia em torno de uma linha divisória religiosa cuja volatilidade vem crescendo desde o 11 de Setembro.
Sua paixão pelo diálogo entre religiões -há pouco tempo ele publicou o livro de memórias "Believing in Jesus, Loving Islam" (Acreditando em Jesus, amando o islã)- ajudou a atrair cada vez mais visitantes, que escalam a montanha para dormir nas cabanas de pedra do mosteiro e participar de suas cerimônias religiosas celebradas em várias línguas.
Dall'Oglio é um italiano alto e forte de 55 anos que parece viver em movimento constante. Ele é responsável, praticamente sozinho, pela restauração do mosteiro de Deir Mar Mousa, localizado numa encosta íngreme a 80 km da capital síria, Damasco.
Quando Dall'Oglio chegou ao local pela primeira vez, em 1982, encontrou apenas uma ruína bizantina abandonada, com afrescos do século 11 que se desgastavam sob o efeito dos ventos e da chuva. Ele conta que passou dez dias orando e meditando no local e então concebeu a ideia de erguer ali uma nova casa de orações com o objetivo de procurar lançar uma ponte sobre os conflitos religiosos da região, com ênfase sobre o trabalho manual e a espiritualidade comum.
"Naquela época, a guerra do Líbano estava em curso, o problema israelo-palestino estava se agravando, e o movimento islâmico estava crescendo", contou.
Dall'Oglio vive no mosteiro em tempo integral desde 1991. Os afrescos e a igreja foram restaurados, às custas de muito trabalho. As casas de hóspedes, construídas de pedra, se fundem com a montanha, ao lado de escritórios, uma biblioteca e uma grande esplanada onde os visitantes se reúnem e fazem suas refeições.
Há pouco tempo, outro mosteiro a 50 km dali também foi restaurado, juntamente com algumas cavernas que davam abrigo a eremitas em tempos antigos. O mosteiro atrai milhares de visitantes por ano, muitos deles muçulmanos, que frequentemente chegam durante feriados religiosos para orar. Dall'Oglio também colabora com lideranças muçulmanas locais em projetos educacionais e ambientais, além de promover conferências sobre teologia.
Em certo sentido, Deir Mar Mousa é um dos últimos redutos de uma religião que vem encolhendo ali. Quando monges ergueram o mosteiro original, no século 6? d.C., a região era o centro geográfico da cristandade. Hoje os cristãos são minoria, e cada vez mais deles se sentem assediados pela ascensão do islã militante e a perseguição violenta aos cristãos iraquianos.
Mas os rituais realizados em Deir Mar Mousa enfatizam a compreensão mútua, mais que a preservação do cristianismo. Um certo dia, 24 visitantes passaram uma hora meditando em silêncio. Um afresco mostrando a Santa Ceia brilhava na parede do outro lado do altar.
"Procuramos ser uma voz positiva em meio a esse grito coletivo de angústia", disse Dall'Oglio.


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