São Paulo, segunda-feira, 01 de fevereiro de 2010

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Raças raras ficam congeladas no tempo

Por BARRY ESTABROOK

NEWPORT, Rhode Island - Localizada em uma propriedade de 18 hectares, a Fundação SVF é a única organização nos EUA dedicada a conservar raças animais raras pelo congelamento de seu sêmen e seus embriões, uma técnica chamada criopreservação. Cerca de 45 mil amostras de 20 raças de bovinos, ovinos e caprinos estão mantidas em nitrogênio líquido a -191?C -essencialmente, uma arca congelada.
O bode Chip, pertencente a uma raça do Tennessee famosa por desmaiar facilmente, foi a prova de que a fundação havia dominado o processo. No começo de 2004, como um embrião de seis dias, ele foi retirado do ventre materno e passou os meses seguintes congelado.
Descongelado e transplantado para a barriga "de aluguel" de uma cabra nubiana, uma raça comum, ele nasceu em 7 de maio de 2004, como um bode (do tipo que desmaia) perfeitamente normal. Sempre que a fundação congela uma leva de embriões de uma nova raça, descongela alguns e os transplanta para fêmeas hospedeiras, repetindo o teste pelo qual Chip passou.
Cair duro de medo diante de um potencial predador não é o traço mais desejável em um pequeno ruminante, então é fácil entender por que os caprinos que desmaiam, como Chip, se tornaram uma raça ameaçada. Aos olhos do agronegócio moderno, Chip e seus colegas do SVF são uma coleção de equívocos.
As ovelhas Cotswold são grandes e têm um crescimento lento demais para fins comerciais. O gado Devon tem o defeito de ser uma criação com duas finalidades numa economia pecuária que exige especialização -um bovino precisa produzir rios de leite ou enormes talhos de carne.
Mas, sob outros aspectos, os refugos quadrúpedes da fundação são ideais para atender às novas demandas da culinária e da agropecuária. "As pessoas estão exigindo escolha num momento em que os rebanhos comerciais estão sendo criados para consistência", disse Peter Borden, diretor-executivo da Fundação SVF.
Chip jamais acabará num espeto de kebab, mas uma rápida olhada na sua robusta compleição mostra que ele carrega bastante carne.
"Pense nisso como um programa de válvula de segurança", disse George Saperstein, consultor-chefe de ciências da fundação e diretor do Departamento de Saúde Ambiental e Populacional da Escola Cummings de Medicina Veterinária, da Universidade Tufts, em Massachusetts. "Se houvesse um desastre, se algo como a 'fome das batatas' [devastação de plantios que afetou a Irlanda em 1845] atingisse um dia a pecuária, esses embriões congelados seriam disponibilizados, e em uma geração voltaríamos à ativa."
Apesar de sua eficiência e produtividade, as raças modernas se tornaram fracas e muito cruzadas entre si, disse Saperstein. Há 50 anos, havia meia dúzia de raças leiteiras populares nos EUA. Hoje, segundo Lindsey Worden, da Associação do Holstein dos EUA, as 8,6 milhões de vacas Holstein do país representam 93% do rebanho leiteiro nacional. Menos de 20 touros são responsáveis por metade dos genes nas Holsteins atuais.
"As raças tradicionais não foram continuamente 'melhoradas' pelos humanos", disse Borden. "Elas foram moldadas pelas forças naturais da sobrevivência do mais apto e podem se virar sem a intervenção humana. Tipicamente, variedades raras exibem boas habilidades para parirem e serem mães. Podem prosperar em pastos nativos e outras forragens naturais, e muitas sabem como evitar predadores."
A SVF, fundação sem fins lucrativos, foi criada por Dorrance Hill Hamilton, 82, herdeira de parte da empresa que fabrica as sopas Campbell. Ávida preservacionista, ela decidiu criar uma biblioteca congelada com material genético de animais de criação ameaçados de extinção. Ela fornece o orçamento anual de cerca de US$ 2 milhões da fundação.
"Ninguém mais está fazendo este trabalho", disse Hamilton por meio de um porta-voz. "Eu não tinha terras suficientes para manter rebanhos, então percebi que a criopreservação era o caminho."
Tendo dominado a técnica criogênica, a SVF ampliou seus esforços para educar o público sobre o valor de conservar as raças tradicionais. "Temos de comer esses animais para salvá-los", afirmou Borden. "Afinal, a alimentação é a razão pela qual as raças tradicionais são importantes." Técnica pode ser útil em caso de surto de doenças animais


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