São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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DIÁRIO DE MAKHACHKALA

Humor étnico ecoa pelas montanhas do Daguestão

Por ELLEN BARRY
MAKHACHKALA, Rússia - Uma coisa engraçada aconteceu com Magomedkhan Magomedkhanov, etnógrafo da república russa do Daguestão, durante visita recente aos EUA. Cercado por colegas distintos na Universidade Harvard e sentindo que só havia uma maneira de deixar todos à vontade, ele contou uma de suas piadas favoritas sobre um judeu num poço cheio de animais selvagens.
Enquanto o silêncio congelava e se transformava em algo que se aproximava de hostilidade, Magomedkhanov percebeu mais uma vez que não estava no Daguestão.
Ele cresceu entre os archi, um grupo étnico de 1.200 membros que fala uma língua de origem desconhecida e que, por pelo menos sete séculos, teve em trilhas montanhosas inóspitas seu único vínculo com o mundo exterior. Isso é bastante típico do Daguestão, onde há 14 grupos étnicos maiores e dezenas de grupos menores.
Tudo isso criou um terreno excepcionalmente fértil para o humor de fundo étnico. Os daguestaneses são capazes de passar horas contando piadas étnicas, voltando sempre a temas populares como a burrice musculosa dos avares, o comercialismo descarado dos darguins, a pusilanimidade erudita dos lezguins, a astúcia dos lakhs e assim por diante.
Um exemplo: um avar está carregando um darguin ferido de um campo de batalha. Temendo que os dois sejam mortos, o darguin implora a seu amigo que o deixe ali e lhe pede um único favor: um tiro de misericórdia, para que não sofra. Finalmente convencido, o avar tira sua arma do cinto mas descobre que não tem munição. O darguin tira uma bala do bolso. "Posso vender a você", diz ele.
Alguns dizem que a tradição de contar piadas nasceu da topografia da região. O sociólogo local Enver Kisriev, da Academia Russa de Ciências, disse que, antes de os soviéticos terem construído estradas interligando os agrupamentos de povoados, ou jamaats, trovadores caminhavam de um vilarejo a outro, cantando sobre as roupas e os maneirismos dos povoados vizinhos. Os jamaats eram tão diferenciados -por exemplo, há Tsovkra, o vilarejo dos andadores em corda bamba, ou Kharbuk, o povoado dos fabricantes de punhais- que, por séculos, não tiveram outra escolha senão comerciar com outros povoados, atravessando barreiras étnicas e linguísticas.
Isso, para o sociólogo, gerou uma tolerância profunda. "Todo o mundo no Daguestão sabe que há pessoas que pensam de modo completamente diferente", disse.
Historicamente, as nacionalidades significavam pouco para os daguestaneses, agregou o sociólogo. Mas elas ganharam destaque com o vácuo deixado pela queda da União Soviética, quando clãs locais passaram a erguer forças políticas com bases étnicas.
Nesse ambiente, as piadas de cunho étnico servem como válvulas de escape, e deixar de divertir-se com elas é visto "como uma falha de caráter em um homem", disse Magomedkhanov.
Uma anedota fala de um homem que procura seu vizinho Gitya, que é avar. O homem diz: "Gitya, me contaram uma piada ótima outro dia, mas é sobre avares. Não quero ofender você, então vou contar como se fosse sobre azeris". Ele conta a piada, e Gitya ri até chorar. "Cara", diz Gitya, ofegante, "esses azeris são uns imbecis!".


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