São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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Birmaneses padecem como refugiados

Por SETH MYDANS
BANCOC - Refugiados apátridas de Mianmar (antiga Birmânia) estão sofrendo agressões e deportações em Bangladesh, onde milhares se aglomeram em um esquálido acampamento, sujeitos a fome e doenças, segundo agentes humanitários e grupos de direitos humanos.
Numa campanha que parece ter se acelerado desde outubro de 2009, dizem esses grupos, refugiados da etnia rohingya, há anos em Bangladesh, estão sendo detidos, agredidos e expulsos para Mianmar, de onde fugiram de perseguições e abusos perpetrados pela junta linha-dura que governa o país e que não os deseja de volta.
"Nos últimos meses temos tratado vítimas de violência, pessoas que afirmam terem sido agredidas pela polícia, (...) por membros da população anfitriã, pelas pessoas ao lado das quais têm vivido há muitos anos", disse Paul Critchley, diretor para Bangladesh da entidade Médicos Sem Fronteiras.
"Temos tratado pacientes por causa de agressões, ferimentos com facões e estupros", disse ele, citando um recente relatório que descreve a situação como uma crise humanitária. Alguns haviam escapado depois de serem jogados em um rio que demarca a fronteira com Mianmar. "Isso continua até hoje."
Desde outubro, afirmou Critchley, o improvisado acampamento de Kutupalong, com ruas de terra, barracos frágeis e esgoto a céu aberto, ganhou 6.000 moradores, chegando a quase 30 mil, com 2.000 recém-chegados só em janeiro.
Eles estão entre os cerca de 250 mil rohingyas de Bangladesh. Em Mianmar, essa minoria muçulmana não tem cidadania, está sujeita a abusos e a trabalhos forçados e enfrenta restrições para viajar, se casar ou praticar sua religião.
Apesar das dificuldades, as pessoas continuam fugindo da repressão e do medo em Mianmar, e muita gente, quando deportada, acaba retornando, segundo vários relatos.
Cerca de 28 mil dessas pessoas foram reconhecidas por Bangladesh e receberam documentos de refugiados. Elas recebem comida e assistência em um campo administrado pelo Acnur (órgão da ONU para refugiados) e não vêm sofrendo os abusos e retornos forçados descritos por outros rohingyas, segundo Kitty McKinsey, porta-voz da agência em Bancoc.
O governo não permite que a agência registre novas chegadas desde 1993.
A maioria dos rohingyas em Bangladesh não tem documentos e luta para sobreviver, esquivando-se das autoridades e ocupando postos de trabalho desqualificados. Eles não têm acesso à educação e a outros serviços públicos.
"Eles não podem receber a distribuição geral de alimentos", disse Critchley. "É ilegal para eles trabalhar. Tudo o que podem fazer legalmente em Bangladesh é morrer de fome."
Agentes humanitários e refugiados dizem que a situação no acampamento extraoficial está ficando desesperadora.
"Não podemos circular para encontrar trabalho", disse Hasan, 40, empregado diarista que vive com a mulher e três filhos em uma cabana com chão de terra. Ele disse que não tinha como alimentar a família.
"Há um posto de controle perto daqui, onde estão apanhando as pessoas e prendendo-as", afirmou ele a um fotógrafo que o visitou recentemente. Assim como outros refugiados ali, ele pediu que seu sobrenome não fosse citado, por medo de represálias.
"Não estamos recebendo ajuda nenhuma", disse ele. "Ninguém consegue emprestar dinheiro de ninguém. Todo o mundo está em crise agora." As pessoas fazem o que podem para sobreviver.
Os rohingyas sabem que não são bem-vindos em lugar algum e que são forasteiros sem status nem proteção jurídica.
Abdul, 69, que vive há mais de 15 anos em Bangladesh, disse que esses pensamentos perturbam seus sonhos.
"Quando durmo, penso que, se alguém mata um animal na floresta, está violando a lei -é apanhado e punido. Mas, como seres humanos, não é a mesma coisa para nós. Então onde estão nossos direitos? Penso comigo que estamos abaixo de um animal."



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