São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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NEGÓCIOS VERDES

Pesca de enguias vive ameaça na Holanda

Por JOHN TAGLIABUE
NUMANSDORP, Holanda - Os olhos de Doede Visser ficam marejados quando ele se lembra de quando era criança e comia enguia. "Só os filhos dos pescadores sabem o que é comê-la ainda quente, e a pele causa um comichão nos lábios", diz Visser, 63. Seu próprio nome em holandês significa pescador, o que seu pai foi, como muitos outros homens da família.
"Mamãe cozinhava as enguias no vapor com manteiga ou as assava", ele disse com um sorriso de satisfação iluminando seu rosto. "Papai também as defumava, sempre perto do Natal."
Visser entrou no ramo de telecomunicações, mas, dois anos atrás, um grupo de pescadores de enguias que conheciam seu pai lhe pediu ajuda. A enguia do Atlântico Norte, um alimento cultuado na Holanda, está desaparecendo, principalmente em consequência da pesca excessiva e da abertura de novos mercados para filhotes de enguias, no Japão e na China. Grupos ambientalistas estão pressionando o governo para restringir a pesca, e os pescadores de enguias no interior do país, uma raça que está desaparecendo como sua presa, pediram a Visser para defendê-los.
O governo decidiu que, a partir deste ano, a pesca de enguias será proibida de setembro a novembro. "É um bom começo, mas achamos que serão necessários vários anos para que a espécie se recupere", disse Clarisse Buma, porta-voz do World Wildlife Fund (WWF) na Holanda. "Em todas as fases da vida a enguia europeia está ameaçada", ela disse.
Mas o tempo também está se esgotando para os pescadores de enguias. Por isso Visser, hoje presidente da Federação de Pescadores Holandeses do Interior, negocia uma alternativa com o governo do país. Quando o pai de Visser pescava, há uma geração, cerca de 200 pescadores singravam os canais e rios de sua nativa Friesland, no norte da Holanda; hoje são 17.
"Não é uma situação boa", ele disse.
Aart van der Waal certamente não está feliz. Um homem robusto e tatuado que às vezes cita George Orwell e cujo celular toca "Satisfaction", dos Rolling Stones, ele vive com sua mulher e quatro filhos em um chalé de tijolos fora de sua aldeia junto ao Hollands Diep, um estuário que flui para o mar. Van der Waal, 40, filho de um corretor de seguros, pesca enguias desde a adolescência. Interrompeu a pesca por cerca de um ano para estudar direito, depois do qual voltou às enguias. Nenhum de seus dois filhos se interessa pela profissão.
"Eles veem as mãos frias de seu pai e os problemas com o governo", disse, balançando a cabeça.
Ele pesca no delta dos rios Reno e Mosa, onde um século atrás cem pescadores de enguias puxavam suas redes; hoje são quatro.
O número de enguias que entra nos rios caiu para cerca de 1% dos níveis anteriores, segundo o WWF. O governo ofereceu às empresas de pesca US$ 960 mil para compensar pelo prejuízo, mas Van der Waal é indiferente. "Nós recebemos dinheiro do governo, mas é a metade do que ganhamos", disse. "Além disso, muitos pescadores acham que [a oferta] é um insulto e recusam o dinheiro. Mas eu tenho quatro filhos e preciso dele."
Joost Kant, 69, comerciante de enguias que mora a cinco minutos de Van der Waal, disse que sabe distinguir as enguias selvagens das criadas em cativeiro ou da variedade artificial. "De olhos vendados! As enguias selvagens comem caramujos, insetos, todo tipo de criatura; os peixes criados comem outros peixes."
Kant, que hoje só abandona o calor de um fogareiro para consultar o mercado de ações em um laptop, vendeu enguias durante 30 anos, mais da metade delas defumada sobre fogueiras de carvalho ou faias, e a maior parte para seu filho, que tem uma peixaria.
Mas a enguia não tem mais seu antigo papel na dieta holandesa. Indagado se comia muita enguia, Kant disse: "Não, não muita, e só quando sai do defumador".


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