São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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Na África, gestação e parto oferecem riscos

Por DENISE GRADY

BEREGA, Tanzânia - A jovem já tinha passado dois dias em trabalho de parto quando chegou ao hospital de Berega, na Tanzânia. Agora duas vidas estavam em risco. Não restava outra escolha senão fazer uma cesariana imediatamente.
Faltava pouco para o nascer do sol, e a sala de cirurgia, alimentada por um gerador barulhento, era o único lugar iluminado nesse povoado de casas de barro e milharais. Uma máscara com cordão gasto foi colocada sobre o rosto da mulher. Momentos depois, um odor nauseante de éter encheu o ambiente, e então Emmanuel Makanza pegou seus instrumentos e fez o primeiro corte da cirurgia cesariana.
Makanza não é médico, e esse fato ilustra tanto o desespero quanto a criatividade dos tanzanianos que lutam para reduzir o número de mortes e problemas de saúde entre gestantes e recém-nascidos.
A gravidez e o parto matam mais de 536 mil mulheres por ano, mais de metade das quais na África, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A maioria dessas mortes poderia ser prevenida se houvesse atendimento obstétrico básico.
A Tanzânia, onde cerca de 13 mil mulheres por ano morrem na gestação ou no parto, não tem nem o melhor, nem o pior histórico da África nesse quesito. Embora o país seja politicamente estável, sofre de praticamente todos os problemas que contribuem para um alto índice de morte materna: escassez de médicos, enfermeiros, medicamentos, equipamentos, estradas e transportes.
Não há uma solução única para um problema que tem tantas facetas, e os responsáveis pelo hospital em Berega estão tentando várias coisas ao mesmo tempo. O hospital de 120 leitos que existe ali -um típico hospital rural num país em grande parte rural- é um estudo de caso dos esforços feitos em todo o continente para reduzir o número de mortes no parto.
Uma medida paliativa adotada tem sido o treinamento de assistentes médicos como Makanza, cujo nível de ensino básico é semelhante ao de auxiliares de médicos nos EUA, para que possam realizar cesáreas e alguns outros procedimentos cirúrgicos. A Tanzânia também vem se esforçando para formar mais assistentes e parteiras, construir clínicas e escolas de enfermagem, oferecer moradia para atrair médicos e enfermeiros à zona rural e fornecer alojamentos para mulheres grávidas perto de hospitais, para que possam chegar às salas de parto em tempo.
Mas também há uma carência de pessoas como Emmanuel Makanza. Quando começou a cirurgia, ele mencionou que deveria ter outro par de mãos qualificadas para ajudá-lo. "Somos poucos", disse.
Makanza fez uma incisão vertical rápida. Em quatro minutos, chegou até o útero e retirou um bebê do sexo masculino, silencioso e exausto pelo trabalho de parto prolongado, além de nocauteado pelo éter. Foram precisos 5 a 10 minutos de vigoroso ressuscitamento cardiopulmonar para conseguir que ele respirasse e chorasse.
Existem muitas noites como essa no hospital de Berega, que fica a dez quilômetros da estrada pavimentada mais próxima. Não é incomum ver mulheres em trabalho de parto chegarem ao hospital depois de um dia inteiro sobre uma bicicleta ou motocicleta, às vezes com um braço ou perna de seu bebê já emergindo de seu corpo.
Algumas não chegam a tempo. Em outubro, uma gestante morreu de infecção em Berega, após dois dias em trabalho de parto. Em novembro e dezembro, duas gestantes sangraram até morrer. Os médicos acham provável que ocorram mais mortes fora do hospital, entre as muitas mulheres que tentam dar à luz em casa.
A poucos minutos de caminhada do hospital fica um orfanato que resume a realidade local. Nele vivem 20 crianças, todas com menos de três anos. Quase todas suas mães morreram ao dar à luz.
A Tanzânia conseguiu reduzir seu índice de mortalidade neonatal, mas não o índice de mortalidade materna. O Ministério da Saúde diz que o índice de mortalidade materna no país é de 578 por 100 mil nascimentos, mas a OMS estima a cifra real em 950 por 100 mil nascimentos. Na Irlanda, o país que tem o índice mais baixo do mundo, a cifra é de uma morte materna em cada 100 mil nascimentos.
As mulheres que morrem na Tanzânia geralmente são jovens e saudáveis. As cinco causas principais são hemorragia, infecção, pressão sanguínea alta, partos prolongados e abortos malsucedidos.
"A gente nunca se acostuma com as mortes maternas", disse Siriel Nanzia Massawe, obstetra e diretor de pós-graduação na Universidade Muhimbili de Saúde e Ciências Aliadas, em Dar-es-Salam, a maior cidade do país. "Num minuto a mãe está conversando com seu marido, então ela está sangrando e então se foi.
Ela morreu muito jovem. Você passa uma semana sem conseguir dormir. O rosto daquela mulher sempre volta à sua lembrança. Morrem mulheres demais, jovens demais. Mas as pessoas que estão no poder não viram aquele rosto. Precisamos despertar a consciência delas."


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