São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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ENSAIO

GRAHAM BOWLEY

Conflitos que teimam em não acabar

Recentemente, após 26 anos de conflito, os separatistas tâmeis do Sri Lanka admitiram sua derrota, e assim terminou a mais antiga guerra civil da Ásia -um dos cerca de 20 conflitos desse tipo que há no planeta, da Colômbia ao Paquistão.
O que levanta algumas questões: quanto dura a maioria das guerras civis? Aliás, o que é uma guerra civil? E como terminam?
Segundo Max Boot, do Council of Foreign Relations, uma guerra civil é travada dentro de uma sociedade, mas há dois tipos. Em um, rebeldes buscam controlar uma região (como no Sri Lanka); no outro, o objetivo é controlar o Estado inteiro (como as Farc na Colômbia). Mas, como aponta Boot, a distinção tem sido contenciosa ao longo da história, porque a inclusão na primeira categoria pressupõe a sociedade como uma entidade única -o que não é o ponto de vista de rebeldes que buscam estabelecer um território independente.
Para os Confederados na Guerra Civil Americana (1861-65), por exemplo, "era uma guerra da agressão nortista", disse Boot. "Eles se viam como um Estado independente sendo agredido por outro Estado independente."
Mas se aceitarmos a definição geral de que uma guerra civil é travada dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas, então ao longo da história os conflitos civis tenderam a superar a duração das guerras internacionais em cerca de 20 vezes, segundo Paul Collier, professor da Universidade de Oxford, Reino Unido. "Elas duram 7 a 15 anos em média, enquanto a média das guerras internacionais é de cerca de seis meses", disse.
Inimigos implacáveis, até mesmo irmãos, divididos pela ideologia, pela religião ou pela sede de justiça, lutam até um amargo fim. Um prenúncio extremo disso seriam as guerras entre escoceses e ingleses, que duraram mais de quatro séculos.
Mais recentemente, houve a Guerra Civil Espanhola (1936-39), travada por "rebeldes direitistas temerosos de que sua Espanha da Igreja e do rei estivesse sendo liquidada pela esquerda", segundo o historiador Simon Schama, da Universidade de Columbia, EUA.
Segundo Collier, porém, as verdadeiras razões para a longevidade dos conflitos civis são mais prosaicas, ao menos nos dias de hoje. Embora possam começar professando sentimentos nobres, os insurgentes cedo ou tarde se tornam organizações interessadas principalmente em preservarem a si próprias e aos recursos que dominam.
Outra razão para que as guerras civis se arrastem é aquilo que os economistas chamam de problema de consistência temporal: um governo não tem credibilidade para negociar o fim de uma guerra civil porque os rebeldes sabem que, mesmo que depuserem suas armas, o Estado manterá sua capacidade militar. Então a luta continua, enquanto nenhum dos lados conseguir esmagar o outro.
Foi de certa forma o que ocorreu na Guerra Civil Russa, conflito entre os bolcheviques e os brancos, que disputaram o poder década de 1920 adentro, depois da queda do antigo regime, em 1917. Foi também o caso em uma das guerras civis mais sangrentas recentes, na Etiópia. Ali, uma sucessão de insurgências se arrastou de 1974 a 1991, em parte porque o governo nunca teve força suficiente para vencer, segundo Collier. A luta acabou quando os rebeldes ocuparam a capital.
O carisma dos líderes também importa. "Se o governo consegue decapitar uma organização, isso também pode desequilibrar a balança", disse Paul Stares, do Council of Foreign Relations. Isso aconteceu no Peru com a guerrilha Sendero Luminoso.
No Sri Lanka, o líder rebelde morreu na batalha final, mas Collier disse que o real ponto de desequilíbrio já havia sido alcançado -quando o financiamento oferecido aos rebeldes por tâmeis no exterior foi sufocado, enquanto o governo conseguia comprar novas armas e expandir seu Exército.
Isso tem paralelos com Angola, onde a guerrilha detinha minas de diamantes, mas foi derrotada quando o lucro resultante das pedras foi interrompido, mais ou menos ao mesmo tempo em que o governo investia os crescentes dividendos do petróleo na ampliação do seu poderio militar.
De forma similar, muitos conflitos civis do tempo da Guerra Fria acabaram quando os protagonistas à sombra, EUA e União Soviética, cortaram seu financiamento.
As guerras civis podem acabar pela intervenção externa, como nos Bálcãs. Mas, para Edward Luttwak, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, tal intervenção pode na verdade apenas prolongar as guerras. "Na Bósnia hoje há pouquíssimo desenvolvimento econômico ou reconstrução, porque na verdade é uma guerra congelada. A melhor forma é quando as pessoas simplesmente se exaurem e ficam sem energia para lutar."
E há guerras que só parecem acabar de fato muito depois de seu fim oficial. Nos EUA, disse Schama, "os anos da Ku Klux Klan e da segregação racial foram uma espécie de vitória posterior para o Sul [segregacionista] e provavelmente só acabaram com Obama na Casa Branca."


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