São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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Ideologia partidária não inspira jovens chineses

Estudantes de hoje estão pouco inclinados a protestar

Por SHARON LaFRANIERE

PEQUIM - Os telefones celulares dos 32.630 estudantes da Universidade de Pequim, tida como uma das melhores da China, receberam uma mensagem de texto da administração universitária no último 30 de abril. A mensagem avisava os estudantes a "prestarem atenção a seu discurso e comportamento" no Dia da Juventude, devido a uma situação "particularmente complexa".
Poucos estudantes tiveram dificuldade em decifrar o significado da mensagem. O Dia da Juventude, em 4 de maio, celebra um protesto estudantil de 1919 contra o imperialismo estrangeiro e a fraqueza da China em opor resistência a ele. Setenta anos mais tarde, em 1989, estudantes da Universidade de Pequim se concentraram outra vez no centro da cidade, reivindicando democracia. O movimento estudantil abalou o Partido Comunista, que ocupava e ocupa o poder, e terminou com uma repressão militar e centenas de mortes.
E se um estudante propusesse um protesto pró-democracia atualmente? "As pessoas o considerariam louco", falou um estudante de história da universidade de Pequim. "A gente sabe quais são os limites. Você pode pensar sobre os fatos de 1989 e talvez falar sobre eles. Mas não pode fazer alguma coisa que poderia ter influência pública. Todo o mundo sabe disso."
A maioria dos estudantes parece também aceitá-lo. Nos últimos 20 anos o governo chinês deixou claro que estudantes e professores devem ater-se aos livros e manter distância das ruas. Os estudantes de hoje descrevem 1989 quase como uma anomalia histórica, um momento extremo e traumático demais para ser repetido. Mas a questão de se a democracia ainda os inspira é mais complexa.
Entrevistas feitas com alunos e professores na universidade, assim como com especialistas na China, traçaram um retrato nuançado dos estudantes de hoje: pouco inclinados a protestar, mas livres dos problemas econômicos que ajudaram a atear os protestos em 1989; orgulhosos das conquistas de seu país e leais ao Partido Comunista, mas raramente movidos pela ideologia. Eles repudiam a corrupção governamental e a censura e querem estudar no Ocidente, especialmente nos EUA.
"Há uma ideia estereotipada de que os estudantes não se interessam pela democracia. Não acredito nisso", opinou Cheng Li, diretor de pesquisas do Centro China no Brookings Institution. "No mínimo, eles têm opiniões divergentes acerca do Partido Comunista."
Xia Yeliang, professor na Universidade de Pequim, disse que muitos estudantes são a favor da democracia na teoria, mas não se dispõem a arriscar seu futuro para lutar por ela. "Eles falam: 'Sabemos que a democracia é uma coisa boa, mas que relação guarda conosco?' Eles se preocupam com sua vida pessoal, com conseguir um emprego e viajar ao exterior."
Mesmo o "Diário do Povo", porta-voz do Partido Comunista, lamenta a ausência generalizada de ideologia no campus. "Muitos estudantes universitários claramente são muito utilitários em seu pensamento", queixou-se este mês a revista "Fórum do Povo", publicada pelo "Diário do Povo", depois de fazer uma pesquisa com os estudantes. "Tudo é baseado em 'o que é ou não é útil para mim'."
Autoridades dizem se opor à democracia pluripartidária ao estilo ocidental, que veem como inadequada para a China, mas aderem às ideias de consulta, revisão popular e votação sob o governo do partido. Elas prometem que a China vai abrir seu sistema político passo a passo.
Alguns sinólogos sugerem que a insatisfação estudantil pode aumentar se a crise econômica atual prejudicar o futuro dos estudantes. Hoje a China tem nove vezes mais alunos em suas instituições de ensino superior do que tinha em 1989, e a concorrência por bons empregos é acirrada. O partido também vem intensificando o recrutamento e a educação política, fazendo de estudantes universitários seu segmento de filiados que mais cresce, disse Susan L. Shirk, professora de ciência política na Universidade da Califórnia em San Diego (EUA).
Alguns estudantes recrutados também rejeitam a democracia ao estilo ocidental. Outros esperam impelir o partido em direção a reformas. "É claro que gostaríamos de virar uma sociedade democrática", disse um aluno de história e candidato à filiação no partido. "Mas isso não se conquista por meios radicais. E se houver caos?"
Entretanto, a maioria dos estudantes busca filiar-se ao partido não por posição ideológica, mas como meio para conseguir empregos melhores, concluiu pesquisa publicada pela "Fórum do Povo".
Na Universidade de Pequim, muitos estudantes contam que cochilam durante as muito ironizadas aulas obrigatórias de pensamento político. "Mesmo os professores sabem que estão ensinando bobagem", explicou um estudante.


Colaboraram Jonathan Ansfield, Huang Yuanxi e Zhang Jing



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