São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Caso britânico ensina perigos do resgate

Por NELSON D. SCHWARTZ

PARIS — Um gigante em apuros no setor automotivo, cujas marcas são sinônimo de carro para estrada. Centenas de milhares de operários sindicalizados, com poderosos apoios políticos. Um apelo urgente para que o governo praticamente assine um cheque em branco.
Não é a história da Ford ou da General Motors, e sim da British Leyland, montadora que consumiu £11 bilhões (em valores atualizados, cerca de US$ 16,5 bilhões) do contribuinte britânico nas décadas de 1970 e 80, até sair do mercado. Tudo o que restou foram lembranças de carros como o Triumph e uma dolorosa lição sobre a eficácia limitada de pacotes de resgate.
“Tudo isso é bastante evocativo”, disse Leon Brittan, ex-integrante do governo de Margaret Thatcher, a primeira-ministra que, apesar da mentalidade pró-livre-mercado, apoiou o resgate. “Não estou dizendo aos EUA o que fazerem, mas a lição da experiência britânica é não jogar dinheiro bom em cima do ruim.”
Outros especialistas acionam o mesmo alarme. “A experiência da British Leyland é relevante e serve de alerta”, disse o consultor automotivo John Casesa, de Nova York. “O governo tentou criar um vencedor a partir de uma empresa estruturalmente comprometida. Esse é o risco nos EUA também.”
E se no resto da Europa o setor automotivo teve uma melhor sorte, Casesa argumenta que o longo histórico de apoio governamental a empresas como Renault e Fiat as torna fortes nos seus mercados domésticos, mas não em nível mundial.
“Com exceção de BMW e Mercedes, as montadoras européias não se tornaram globalmente bem-sucedidas”, afirmou ele. “Nem têm sido enormemente lucrativas.”
A comparação histórica volta a despertar atenções no momento em que o Congresso americano decide o destino das fábricas de Detroit.
O resgate da British Leyland continua sendo o exemplo clássico de uma intervenção governamental fútil. Já a estreita cooperação entre governos e montadoras no resto da Europa produz resultados bem mais felizes.
Durante meio século depois da Segunda Guerra Mundial, o governo francês foi acionista majoritário da Renault, e ainda hoje detém 15% das ações. Na década de 1980, a fábrica recebeu uma ajuda equivalente a quase € 4 bilhões (US$ 5,1 bilhões em valores atuais). Agora, ela é altamente lucrativa —pelo menos em comparação com as montadoras americanas.
Atualmente a Opel, subsidiária alemã da GM, está pedindo a Berlim mais de € 1 bilhão em garantias de crédito, segundo Carl-Peter Forster, chefe da GM na Europa. A chanceler Angela Merkel disse que o governo deve tomar uma decisão antes do Natal, mas que o dinheiro, se for realmente necessário, “terá de permanecer dentro da Opel”, ou seja, na Alemanha.
Até agora, as empresas asiáticas não se queixaram do fato de que tal resgate equivaleria a um subsídio contrário à livre-concorrência. Mas José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia, recentemente afirmou que um eventual pacote de ajuda a Detroit deveria ser considerado “ilegal” pelas regras da Organização Mundial do Comércio.
Isso não impediu as fábricas européias de pedirem € 40 bilhões em empréstimos ao Banco Europeu de Investimento, sob a justificativa de desenvolverem carros menos poluentes.
Para Garel Rhys, diretor do Centro para a Pesquisa do Setor Automotivo, da Universidade de Cardiff (País de Gales), a trajetória da General Motors lembra a da British Leyland não só por causa da decisão da GM de buscar ajuda para evitar a recuperação judicial, mas também por uma lenta e aparentemente inexorável perda de participação no mercado. “Ambas tinham um histórico de serem as maiores, mas não conseguiram se adaptar à perda de vendas”, afirmou. “Não conseguiram recuperar os clientes.”
Michael Edwardes, que assumiu o cargo de executivo-chefe da British Leyland em novembro de 1977, disse que será crucial que Washington obrigue a uma reforma na gestão das fábricas de Detroit. “Despejar dinheiro nelas não basta”, afirmou. “Elas precisam de dinheiro e precisam de uma nova gestão. Precisam de ambos, não de um ou outro.”


Texto Anterior: Montadoras chinesas em situação de risco
Próximo Texto: Tendências mundiais: Justiça islâmica ganha espaço no Reino Unido
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.