São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

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DIÁRIO DE JIDÁ

Roqueiras sauditas não têm medo de tabus

Por ROBERT F. WORTH

JIDÁ, Arábia Saudita - Elas não podem se apresentar em público. Não podem posar para as capas dos discos. E, para não ofender as autoridades religiosas da ultraconservadora Arábia Saudita, suas "jam sessions" são secretas. Mas as integrantes do Accolade, primeiro grupo exclusivamente feminino do rock saudita, claramente não têm medo de tabus.
"Pinocchio", primeiro single da banda, virou um hit clandestino no país, baixado por centenas de jovens no site do Accolade. Agora, esse pioneiro quarteto de universitárias quer começar a fazer shows regulares "em lugares fechados, naturalmente" e gravar um disco.
"Na Arábia Saudita, isso é um desafio", disse a vocalista Lamia (que, como as outras integrantes, só revelou o primeiro nome). "Talvez sejamos loucas. Mas queríamos fazer algo diferente."
Num país onde as mulheres são proibidas de dirigir e raramente aparecem em público com o rosto descoberto, a banda é de fato muito diferente. A perspectiva de roqueiras agitando guitarras e berrando letras raivosas sobre uma relação fracassada - tema de "Pinocchio" - até algum tempo atrás seria inimaginável.
Mas o rígido código moral deste país foi lentamente se abrandando, especialmente em Jidá, de longe a cidade mais cosmopolita do reino. Há uma década, policiais religiosos aterrorizavam com cassetetes as mulheres que não se vestissem adequadamente. Rapazes cabeludos às vezes eram levados a delegacias para terem a cabeça raspada, ou algo pior.
Hoje em dia, há uma crescente cena roqueira, com dezenas de bandas, algumas delas até vendendo ingressos para shows. O hip-hop também é popular. A polícia religiosa "a rigor, chamada Comitê para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício" praticamente deixou as ruas de Jidá, e em geral está menos agressiva.
A mudança é especialmente notável desde os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA, quando os sauditas se defrontaram com os efeitos do extremismo dentro e fora do reino. Mais de 60% da população da Arábia Saudita tem menos de 25 anos, e muitos jovens pressionam por mais liberdade.
"A próxima geração é diferente da anterior", disse Dina, 21, guitarrista e fundadora do Accolade. "Tudo está mudando. Talvez em dez anos seja OK ter uma banda com apresentações ao vivo."
Dina contou que há três anos começou a sonhar em montar uma banda. Em setembro, ela e a irmã Dareen, 19, que é baixista, se juntaram com Lamia e Amjad, a tecladista. No começo de novembro, Dina, que estuda artes na Universidade Rei Abdulaziz, começou a escrever uma música baseada em uma das suas pinturas favoritas, "The Accolade" ("A Consagração"), do pintor romântico inglês Edmund Blair Leighton. A pintura mostra uma nobre de cabelos compridos, tocando com uma espada o ombro de um jovem guerreiro, para investi-lo na cavalaria.
"Eu gosto da pintura porque ela mostra uma mulher que está satisfeita com um homem", disse Dina.
Pessoalmente, as integrantes da banda parecem mais brincalhonas do que provocadoras. Ao contrário de uma parte da juventude saudita de classe alta, que viveu no exterior e conheceu a vida ocidental, elas são de classe média e nunca saíram do país.
"O que estamos fazendo não é nada errado, é arte, e estamos fazendo de uma maneira boa", afirmou Dina. "Respeitamos as nossas tradições."
Porém, o próprio rock é visto com desconfiança na Arábia Saudita, em parte por sua associação com estilos de vida "decadentes". A maioria das bandas aqui toca heavy metal e, como suas congêneres ocidentais, usa imagens ligadas ao satanismo e à bruxaria, o que contribui com o estigma. Na Arábia Saudita, as pessoas às vezes são detidas e até executadas por acusações de bruxaria.
Dina disse que a banda pretende avançar lentamente, começando com "sessões só para mulheres". Os pais das integrantes as apóiam, embora tenham pedido discrição. No futuro, segundo Dina, elas esperam fazer shows de verdade, talvez em Dubai. "É importante que vejam do que somos capazes", afirmou ela.


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