São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

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Um popstar mimado enfim entrega sua obra

JON PARELES
ENSAIO

“Tudo que tenho é tempo precioso”, canta Axl Rose na canção-título de “Chinese Democracy” (Geffen), do Guns N’ Roses, e ele deve ter plena consciência de como o verso soa agora. Único membro original remanescente do Guns N’ Roses, Axl Rose precisou de 17 anos, mais de US$ 13 milhões (até 2005) e um batalhão de músicos, produtores e assessores para produzir “Chinese Democracy”, o primeiro álbum de canções novas do Guns N’ Roses desde 1991.
Lançado em 23 de novembro, “Chinese Democracy” é o Titanic dos álbuns de rock: o navio, não o filme, embora, como este, seja uma produção monumental de estúdio. É grandioso, suntuoso, obsessivo, tecnologicamente avançado e, muito claramente, o fim de uma era. É também um naufrágio, posto a pique pelas pretensões e a produção pesada demais.
Em suas 14 canções percebem-se vislumbres de agressividade e desespero sentidos, ao lado de momentos de virtuosismo musical notáveis. Mas essas coisas se curvam sob o peso de incontáveis camadas de manipulação de estúdio e de um tom azedo de autocomiseração.
“Chinese Democracy” soa como o derradeiro e ruidoso estertor vindo do reino do popstar mimado: o tipo de músico cujo enorme sucesso inicial pôde, no passado, garantir públicos fiéis, royalties fartas, ambições crescentes e prazos finais perigosamente indefinidos. O novo paradigma do rock consiste em gravar mais rapidamente, a um custo menor e com freqüência maior —algo que remete aos anos 1950 e ao início da década de 1960.
“Chinese Democracy” é um acontecimento tão antiquado que, neste momento, nenhum álbum poderia facilmente satisfazer ao fascínio e antecipação acumulados. Nas últimas duas décadas, o álbum de estréia do Guns N’ Roses, “Appetite for Destruction”, de 1987, vendeu 18 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos. A banda original, especialmente o duo de Slash e Izzy Stradlin nas guitarras, colaborou para criar uma combinação agressiva de glam, punk e metal atrás da voz orgulhosamente abrasiva de Axl Rose. Cantando sobre sexo, drogas, bebida e estrelato, Rose era uma história de sucesso da MTV na década de 1980: criança vítima de abusos autodescritos, nascido no coração dos Estados Unidos, ele conseguiu deixar o Estado de Indiana para trás e reinventou-se como volátil roqueiro de Hollywood.
Em meio às turnês, aos vícios dos membros da banda e a seus relacionamentos com modelos, o Guns N’ Roses fez os álbuns “Use Your Illusion” 1 e 2, lançados simultaneamente em 1991 e que venderam muitos milhões de cópias cada.
Eles foram seguidos por uma coletânea pouco inspirada de remakes de punk rock, “The Spaghetti Incident?”, em 1993, antes de a banda se desfazer, deixando Axl Rose como dono da marca Guns N’ Roses.
Ele vem anunciando a conclusão iminente de “Chinese Democracy” desde pelo menos 1999 e desde 2001 começou a cantar muitas de suas canções em turnês. No entanto, ano após ano, ele trabalhou e retrabalhou as canções.
Como os álbuns antigos do Guns N’ Roses, “Chinese Democracy” oscila como relâmpago entre arrogância e dor, gemidos e esgares de desdém. O Axl Rose de hoje se retrata como alguém assediado em todas as frentes.
“Estou louco”, ele canta contra o pano de fundo dos gongos e guitarras frenéticos de “Riad N’ the Bedouins”. Mas a loucura em “Chinese Democracy” não é a arrogância selvagem e briguenta oferecida pelo jovem Axl Rose e seus ruidosos colegas de banda dos anos 1980. É a atenção maníaca aos detalhes que se torna possível na era da gravação digital.
Em algum momento durante os anos de trabalho, a teatralidade e a ostentação tomaram o lugar do sentimento genuíno. Quando Rose lamenta o amor que terminou ou promete enfrentar a vida por conta própria, sem rabo preso com ninguém, a música em “Chinese Democracy” cresce e forma um estrondo à sua volta, frenética e quase destituída de um momento para se respirar.
Fica difícil enxergá-lo como as canções o fazem —aquele anti-herói assediado, sozinho na briga contra o mundo— quando ele está dividindo seu bunker com um elenco de milhares de pessoas.

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