São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009 |
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Juntos rumo ao abismo
Inteligência
Barcelona, Espanha O inverno vem sendo rigoroso na Europa. Ventos de tempestade recentemente arrancaram o telhado de um centro esportivo em Barcelona, matando quatro jovens. Nevascas em outras partes de Espanha e França já mataram dezenas de pessoas. O clima econômico na Espanha está igualmente amargo. Durante muito tempo alimentado pelo boom imobiliário, o crescimento evaporou; a produção provavelmente vai encolher 2% este ano. Cem mil empregos podem ser perdidos apenas no setor do turismo, responsável por 10% da economia nacional. A história no Reino Unido é ainda mais sombria. A libra esterlina não para de cair. Os grandes bancos lutam para sobreviver. O mercado imobiliário está em debandada. Sobram comparações com a falida Islândia. Manchete recente do “Financial Times” dizia: “Caçadores de pechinchas imobiliárias embarcam para Londres”. Como é? O mundo está de ponta-cabeça. Sei que um inverno gelado não significa que o aquecimento global diminuiu. Sei que a queda no turismo espanhol não assinala o fim da ânsia dos alemães pelo sol da Catalunha. Sei que as pechinchas imobiliárias em Londres não vão durar para sempre. Também é verdade que o colapso atual nos valores das commodities não quer dizer que a demanda na China e na Índia não fará os preços subirem outra vez. O fato de ninguém mais estar falando da crise dos alimentos não significa que não existam ainda milhões de pessoas que anseiam por duas refeições por dia. E, é claro, o petróleo barato é um fenômeno passageiro. Mesmo assim, este mundo invernal virado do avesso fez todos nós parecermos estúpidos. Um ano atrás, muitas tendências eram previstas e discutidas, desde o aquecimento global acelerado até a espiral ascendente dos preços dos alimentos e o petróleo a US$ 300 o barril —mas um crash econômico global não era uma delas. No início de 2008, a ideia de que US$ 10 trilhões em riqueza acionária e imobiliária seriam perdidos apenas nos EUA teria sido ridicularizada. Esta crise comprovou que o instinto de rebanho está vivo e forte e é global. Foi ele que levou Bear Stearns, Citigroup, Lehman Brothers e AIG a pensarem que títulos de crédito não regulamentados, avalizados por hipotecas, gerariam lucros para sempre. Esse instinto levou o mundo a cair de um penhasco, enquanto a grande maioria dos palpiteiros se angustiava não com milhões de empregos perdidos hoje, mas com a discussão de como alimentar e prover de combustível um planeta superaquecido em 2035. Eis um paradoxo: hoje, com mais informação e notícias disponíveis globalmente do que em qualquer momento do passado, parece mais difícil para as pessoas pensarem de modo independente. O excesso de informações parece prejudicar o pensamento livre, em lugar de promovê-lo. Estamos no final da fase da globalização que permitiu que os autodescritos senhores do universo, reunidos até ontem em Davos, arquitetassem uma engenharia financeira baseada em alavancagem e opacidade, que lhes deu grande riqueza, ao mesmo tempo ampliando a disparidade entre ricos e pobres. Algumas pessoas falam do curto século 20 —período entre a Revolução Bolchevique de 1917 e o fim da Guerra Fria, em 1989. Pode-se dizer que, no inverno de nossa desesperança, o século 21 está começando em 2009, com uma tentativa de reinventar o sistema econômico global de maneira capaz de disseminar seus benefícios mais amplamente. Envie seu comentário para intelligence@nytimes.com Texto Anterior: Lente: Fala de papagaio assinala avanços dos deficientes Próximo Texto: Tendências Mundiais: China também investe em plano de recuperação Índice |
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