São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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O homem que via arte moderna na paisagem tropical


Brasil celebra um visionário que pintava com as plantas

Por LARRY ROHTER

RIO DE JANEIRO - O Brasil está repleto de matas, florestas e de todo tipo de flores, árvores e plantas exóticas. Mas até que o paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) aparecesse para domar e moldar a exuberante flora do país, os brasileiros em geral desdenhavam das riquezas naturais que, muitas vezes de forma literal, floresciam nos seus próprios quintais.
“Burle Marx criou o paisagismo tropical tal qual o conhecemos hoje, mas ao fazê-lo também fez algo ainda maior”, disse Lauro Cavalcanti, curador de uma exposição dedicada à obra de Burle Marx, que vai até março no Paço Imperial, no Rio, e depois segue para São Paulo. “Ao organizar plantas nativas de acordo com os princípios estéticos da vanguarda artística, especialmente o cubismo e o abstracionismo, ele criou uma gramática nova e moderna para o paisagismo internacional.”
Para marcar o centenário do nascimento de Burle Marx, o museu se preparou para exibir a criatividade dele em sua total dimensão. Além de maquetes e esboços dos seus projetos paisagísticos mais celebrados, a exposição inclui quase cem pinturas, além de desenhos, esculturas, tapeçarias, joias e cenários e figurinos teatrais.
“Ele era realmente um polímata”, disse William Howard Adams, curador-chefe da exposição sobre Burle Marx apresentada em 1991 no Museu de Arte Moderna de Nova York. “Mas o que realmente se destaca nele é que ele considerava o paisagismo como um parceiro em pé de igualdade com a arquitetura, e não como um pano de fundo ou uma decoração.”
Burle Marx sempre viu a si mesmo acima de tudo como pintor. O paisagismo, escreveu certa vez, “foi meramente o método que eu encontrei para organizar e compor meu desenho e minha pintura, usando materiais menos convencionais”.
Foi estudando pintura na Alemanha durante a República de Weimar, como ele contaria mais tarde, que Burle Marx percebeu como era extraordinária aquela vegetação que os brasileiros desprezavam como sendo apenas “mato”, preferindo em vez dela importar pinheiros e gladíolos para seus jardins.
Visitando o Jardim Botânico de Berlim, ele se surpreendeu ao encontrar muitas espécies brasileiras e logo percebeu o inexplorado potencial artístico das formas, tamanhos e tons daquelas plantas.
Burle Marx era de ascendência alemã por parte de pai e francesa por parte de mãe. Nasceu em São Paulo, mas mudou-se ainda criança para o Rio, onde foi vizinho do arquiteto modernista Lúcio Costa, futuro urbanista de Brasília, que fez as primeiras encomendas ao paisagista.
Embora tenha participado da criação de Brasília, Burle Marx é especialmente conhecido por seus muitos projetos ambiciosos no Rio. “O rosto desta cidade carrega sua marca”, disse Cavalcanti.
O maior parque da cidade, o Aterro do Flamengo, construído em uma área próxima ao centro, antes ocupada por parte da baía de Guanabara, foi um dos primeiros projetos notáveis dele. Mas, em termos de abrangência, nada supera o calçadão de Copacabana, com seu mosaico abstrato se estendendo ininterruptamente por toda a orla. Dos andares mais altos dos edifícios da avenida Atlântica, parece que Burle Marx pintou uma única tela com quase cinco quilômetros de comprimento.
“Embora gostasse de projetar jardins para amigos, o que mais lhe dava satisfação era trabalhar com espaços públicos”, disse o paisagista brasileiro Haruyoshi Ono, que começou a trabalhar com ele em 1965 e hoje dirige o escritório de paisagismo que Burle Marx fundou na década de 1950.
Burle Marx era quase tão botânico quanto paisagista, embora autodidata. Batizou mais de 50 espécies vegetais.
“Burle Marx foi premonitório em sua reverência pelas plantas e seu cuidado com o viveiro como um todo, por sua capacidade de ver o jardim tanto como um experimento estético quanto como parte da ecologia”, disse Karen Van Lengen, diretora da Escola de Arquitetura da Universidade da Virgínia (EUA). “Esse é o desafio para os paisagistas de hoje, juntar essas energias.”


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