São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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Museu resgata a velha Pequim

Por ANDREW JACOBS

PEQUIM - A destruição desta cidade de 800 anos normalmente acontece assim: o ideograma para “demolição” aparece pintado na fachada de um prédio velho, os moradores travam uma inútil batalha para salvar suas casas, e aí chegam os operários, muitas vezes com a polícia, para pulverizar a estrutura de madeira e tijolos.
Mas antes que mais um pedaço da antiga Pequim suma por completo, um administrador chamado Li Songtang costuma ser visto revirando os escombros à cata de restos que honrem uma metrópole que já esteve entre as mais bem preservadas do mundo, até que uma inclemente onda de reurbanização falasse mais alto.
Desde a década de 1970, quando Mao Tse-tung inspirava sua Guarda Vermelha a acabar com todos os reacionários templos confucionistas e estátuas da dinastia Ming, Li vem resgatando remanescentes arquitetônicos e preservando-os, às vezes sob risco considerável.
Postes manchus para amarrar montarias; pórticos de madeira; um gigantesco cavalo de granito, que já enfeitou um palácio imperial —esses e milhares de outros objetos preenchem o depósito de Li e se espalham para o terreno do asilo que ele administra, na periferia leste de Pequim.
Os itens historicamente mais significativos são expostos no seu museu particular, onde ele promove visitas guiadas todos os domingos. “Há 50 anos observo a destruição desta magnífica cidade”, diz ele. “Tratamos a história como lixo.” Quando os comunistas chegaram ao poder, em 1949, receberam uma cidade com 7.000 hutongs, os becos que na antiga Pequim davam acesso aos complexos murados onde a maioria vivia.
Os comunistas obrigaram famílias aristocráticas a dividirem suas casas e seus pátios com famílias proletárias, mas as estruturas, com seus ornamentos de pedra e madeira, permaneceram intactas. Nas décadas de 1950 e 60, a construção de monumentos e avenidas derrubou trechos da Cidade Velha, e mais danos ocorreram durante a Revolução Cultural. O ritmo se acelerou na década de 1990, quando o advento da economia de mercado alimentou a sanha imobiliária. Hoje, restam 1.300 hutongs.
O jornalista americano Michael Meyer, que documenta a vida de um hutong no livro “Os Últimos Dias da Velha Pequim”, diz não haver um terrível clima geral de nostalgia pela cidade velha. Para seus moradores, uma cópia recém-pintada de um templo budista de 500 anos já basta. “Os que tentam preservar um pouco do legado da cidade estão cada vez mais isolados e impotentes”, disse.
Os esforços de Li eventualmente atraem a atenção das autoridades, que o acusam de furtar objetos e criticar obliquamente as políticas públicas. Ele admite que nunca pagou nada, embora dê alguns dólares para que os operários da demolição retirem peças pesadas. “Acabei percebendo que grande parte de Pequim foi destruída porque ninguém estava disposto a pagar hora extra para esses homens [tirarem as peças]”, disse Li, meio brincando. O ingresso de US$ 4,50 para o museu não cobre os custos, o que obriga Li a subsidiar a si próprio.
“Tenho mil histórias que nunca poderei contar”, disse ele, em tom conspiratório, para em seguida lançar alguns adjetivos contra os que estariam bloqueando seu caminho —e levando ao fim da Velha Pequim. Mas em seguida Li se corrigiu: “O Partido Comunista melhorou Pequim imensamente”, declarou, com um sorriso tenso. “Eles estão fazendo um trabalho maravilhoso.”


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