São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

EUA se mostram comedidos

Por DAVID E. SANGER

WASHINGTON - Quando a batalha pela Líbia parecia deslizar para um impasse no final de abril, os britânicos, franceses e italianos enviaram "assessores militares", uma frase que, para grande parte do mundo, sugere o primeiro passo na encosta escorregadia das forças terrestres.
O presidente Obama ofereceu a arma favorita do seu governo: teleguiados Predator armados.
A diferença foi reveladora sobre a maneira de Obama intervir em rebeliões armadas -e seu conforto em deixar que outros liderem a intervenção. Apanhado entre duas difíceis experiências nas últimas duas décadas -o fracasso em fazer alguma coisa em Ruanda e a insistência, contra a objeção dos seus aliados, em invadir o Iraque oito anos atrás-, Obama passou a maior parte do último mês experimentando uma terceira via.
Na Líbia, ele comprometeu os EUA, mas somente do ar e somente de longe. Os europeus e alguns dos adversários políticos de Obama sentem uma falta de compromisso. Dentro da Casa Branca, a argumentação é oposta -de que depois de uma década abrasiva de enganos, os Estados Unidos estão preservando o poderio americano para os momentos em que precisem proteger interesses realmente vitais, enquanto ensinam ao resto do mundo que terá de policiar seus próprios quintais.
Mas essa é uma maneira de lutar uma guerra?
Depende do que se considere como objetivo: proteger a população, derrubar o coronel Muammar Gaddafi -que, segundo o presidente Obama, tem de sair- ou fazer uma declaração mais ampla, para todo o mundo, de que os EUA, mais uma vez, entraram em uma fase profundamente não ideológica, de medir os custos em sua política externa. O secretário da Defesa, Robert Gates, que deixará Washington em breve, observou mais de uma vez que a pergunta que o governo Bush fazia com demasiada infrequência antes de suas intervenções militares era "E depois?". É uma lição que Obama claramente absorveu -e, para alguns de seus críticos, em excesso.
Autoridades europeias lamentam que seja a primeira operação da Otan desde a criação da aliança há meio século em que os Estados Unidos se recusam a assumir a liderança.
Mas a questão talvez não seja se os EUA lideram, mas se colocam sua credibilidade em xeque, parecendo entrar no conflito pela metade. "Ou temos de fazer muito mais -e os Predators foram um passo nessa direção-, ou optar por um cessar-fogo e conviver com o fato de que Gaddafi poderá continuar no posto por algum tempo", disse Richard N. Haass, presidente do Conselho para Relações Exteriores.
Haass defende a tese de que o presidente Obama está violando a Doutrina Powell: se você decide usar os militares americanos, deve fazê-lo com uma força tão avassaladora que não haja dúvida do resultado. A expressão, de duas décadas atrás, é a estratégia do general Colin Powell para a guerra do Golfo de 1990-91. A Casa Branca parece decidida a criar um Corolário Obama: a doutrina Powell não se aplica quando os EUA entram em uma coalizão com países que têm um interesse maior no resultado que Washington.
"Nós lideramos -limpamos o caminho para os aliados", disse Antony Blinken, assessor de Segurança Nacional do vice-presidente Joe Biden e um importante ator no debate sobre a Líbia. "Mas a verdadeira liderança é saber encorajar outros a assumir suas responsabilidades. Há anos, falamos sobre dividir as cargas, mas ou não deixamos os outros países agir, ou eles não quiseram, ou não puderam agir. Dessa vez, nós fizemos, e eles fizeram."
Blinken e outras autoridades insistem que o coronel Gaddafi está ficando sem dinheiro e sem munição e aliados, e é preciso ter paciência até que ele seja finalmente obrigado a sair. Eles não fazem segredo do fato de que o poderio americano é limitado por compromissos em outros lugares. "Isso tem a ver com o presidente casar força e sabedoria e aplicar o poder de maneira inteligente -em um momento em que ainda temos 100 mil soldados no Afeganistão e 47 mil no Iraque", disse Blinken. Em outras palavras, a mensagem para a Europa é: obrigado pelo convite, mas é o seu bairro, sua preocupação com os refugiados e basicamente seu problema.
A cautela que cerca a Líbia vem de uma lição central da última década de guerra: quando os Estados Unidos são a força propulsora de uma revolução, são os donos do resultado, bom ou ruim. Não importa com que rapidez as tropas americanas comecem a se retirar do Afeganistão neste verão, os EUA ficarão lá durante anos, décadas segundo alguns.
Na Líbia, o problema é acentuado pelo fato de que é uma incógnita quem vai dirigir o país depois que o coronel Gaddafi partir. A necessidade de cautela foi endossada no final de abril pelo grande mestre da diplomacia americana, Henry Kissinger, que passou pelo Departamento de Estado para uma meditação pública com a secretária de Estado, Hillary Clinton, sobre a natureza mutável da diplomacia e dos conflitos.
"Não se pode julgar o resultado de uma revolução pelas declarações daqueles que a fazem", advertiu Kissinger. "Em segundo lugar, os que a fazem raramente sobrevivem ao processo da revolução", no sentido de que geralmente existe uma "segunda onda" que pode desviar para outra direção -exatamente o que aconteceu no Irã. E, ele concluiu, "quanto maior o tumulto que a revolução causar", maior a probabilidade de que "se use muita força".
Clinton defendeu uma ideia semelhante quando a revolução egípcia provocava enorme entusiasmo em todo o mundo em fevereiro, e, na época, ela foi criticada por soar pessimista demais. Mas, ouvindo Kissinger, ela comentou: "É como jogar um xadrez multidimensional em uma escala sem precedentes. Você tenta dominar o tabuleiro", ela afirmou. "Você tenta descobrir como fazer os movimentos, e as pessoas gritam para você de um ângulo de 360 graus."


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