São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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Queda de Mubarak gera reações ambíguas

Por MICHAEL SLACKMAN

CAIRO - Hosni Mubarak é o único líder que a maioria dos egípcios jamais conheceu.
Embora ele continue sendo detestado pela forma como governou o país, existe por aqui um sentimento silencioso de desconforto com a forma como ele tem sido tratado desde a sua derrubada.
Quem tem simpatia pelo ex-presidente tende a dizer isso em voz baixa, como é o caso de Salma Sowellem, que, recentemente, visitava uma exposição de arte. "Shhh, não quero que meu namorado ouça, ele vai ficar maluco. Mas Mubarak é um velho. Está doente. Seus filhos estão presos. Isso já basta."
Tal sentimento é parte da complexa mistura de emoções que domina o Egito num momento em que o país luta para se reconciliar com o passado e avançar para o futuro -para equilibrar vingança e justiça. Os egípcios ainda não sabem ao certo se devem buscar a conciliação no estilo sul-africano, fazer uma caça aos colaboracionistas no estilo do Leste Europeu, ou simplesmente tentar esquecer tudo isso e tocar adiante.
"Ele era como Deus, e ainda continuamos dizendo que ele governa o Egito, embora esteja preso", disse Hussein Hanafy, 44, que discutia a situação numa roda de amigos perto do centro. "Eu não vi ninguém senão ele durante 30 anos. Não vou simplesmente me esquecer dele da noite para o dia."
E então, sintetizando uma sensação repetida por várias pessoas ao longo de três dias de entrevistas, ele disse: "Eu sinto pena dele, mas ele não é inocente".
Em quase 30 anos como presidente, Mubarak adotou a alquimia de um típico autocrata, transformando sua identidade mortal na de um semideus.
Sua foto foi colocada em todos os lugares. Destruí-la ou desfigurá-la era crime.
"Ninguém está feliz com o que ele fez", disse Mona Yousef, ao sair recentemente de um consultório dentário perto do centro do Cairo. "Mas nós crescemos com ele lá. Ele esteve lá a minha vida toda. É difícil simplesmente seguir em frente."
O artista Ali Ali decidiu desafiar e provocar uma discussão sobre Mubarak, esperando que isso levasse a uma "superação". Ele fez "Trinta Hosnis" -os anos de poder de Mubarak- estampando em tecido, com tons esmaecidos, fotos conhecidas do ex-presidente, ao lado de figuras da cultura pop, como Darth Vader e Pac-Man.
Mas, em vez de superação, o que ele provocou -ou, talvez, revelou- foi a confusão que atormenta os egípcios.
"Estou chateado -não deveriam colocar fotos de Mubarak", disse Ahmed Taha, 24.
"Quando olho para ele, me lembro da humilhação, do desemprego, da inflação, da corrupção, me lembro da má reputação do país no exterior; ele me lembra tudo o que há de ruim neste país", completou.
Por essas e outras, Taha não quer ver Mubarak sendo julgado. "Eu só quero esquecer", afirmou.
Mubarak está com quase 83 anos. Ele parecia ter uma saúde relativamente boa até promotores anunciarem que ele seria interrogado sobre corrupção e sobre seu papel na morte de mais de 800 pessoas durante os protestos que o derrubaram. Então, ele sentiu dores no peito. Foi levado a um hospital militar, onde está detido e sendo interrogado.
A queda de Mubarak foi acelerada quando a pressão popular levou os dirigentes militares do Egito à ação contra ele.
Salama Ahmed Salama, chefe do conselho editorial do jornal independente "Sharouk", disse: "A tragédia para Mubarak foi como ele caiu do auge e do apogeu do poder em questão de dias ou horas. Quem imaginaria que um homem tão poderoso teria de dizer adeus desse jeito?"
Por enquanto, parece que Mubarak se encaminha para algum tipo de acerto de contas, provavelmente um julgamento.
Embora não seja uma certeza, isso poderia por si só responder à questão de como proceder. Um julgamento público e justo poderia satisfazer aos apelos por justiça -e vingança.
"O julgamento de Mubarak será um ponto de inflexão na história do Egito e da região", disse o escritor e comentarista Alaa al Aswany.
"Essa é uma parte civilizada da revolução, e o tipo de justiça que Mubarak não fez pelo povo egípcio."

Colaborou Mona El Naggar


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