São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

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ENSAIO

NATALIE ANGIER

Mamíferos têm audição avantajada

Imagine como seria uma conversa durante o jantar se você tivesse ouvidos de lagarto. Não só você teria de parar de comer quando quisesse falar, como teria de parar de comer quando quisesse escutar outra pessoa, porque partes de seus ouvidos estariam ligadas à sua mandíbula.
Nesse caso, são os três menores ossos do corpo humano que fazem toda a diferença. Enfiados em nosso canal auditivo, no lado interno do tímpano, estão os ossos bigorna, martelo e estribo.
Eles são a base de uma das maiores invenções da evolução, o ouvido médio dos mamíferos, que nos dá a capacidade de mastigar sem nos deixar momentaneamente surdos para o mundo, como ocorre com a maioria dos outros vertebrados.
O ouvido médio também explica por que os mamíferos, como grupo, têm a audição mais aguçada da Terra e a maior diversidade de estilos de audição, de morcegos a golfinhos -que podem detectar ondas de pressão no final ultrassônico da largura de banda- até elefantes e baleias jubarte, capazes de escutar na faixa infrassônica, capturando impressões sonoras murmuradas por seus pares a quilômetros de distância.
Na revista "Science", paleontologistas relatam vestígios fossilizados de um mamífero recém-descoberto da era Mesozóica, de cerca de 123 milhões de anos atrás.
O animal de focinho pronunciado, do tamanho de um esquilo, chamado Maotherium asiaticus, vivia no que é hoje o noroeste da China e corria ao redor dos pés dos dinossauros dominantes, como os mamíferos haviam feito por 100 milhões de anos.
O que torna essa criatura digna de nota são seus ouvidos: os fósseis indicam que os ouvidos médios do Maotherium eram de uma espécie intermediária, meio mamífera e meio réptil. Diante da época do fóssil e de evidências de fósseis de mamíferos ainda mais antigos, os pesquisadores acreditam que o Maotherium represente uma reversão para um modelo auditivo mais antigo.
Mas a evolução redescobriria sua invenção de três partes pelo menos uma vez, senão repetidamente; na época em que surgiram os ancestrais dos mamíferos atuais, a característica estava definida. Todas as cerca de 5.400 espécies de mamíferos conhecidas têm três miniossos, ou ossículos, livres da mandíbula.
"Para nós, que lidamos com a evolução dos mamíferos, a evolução do ouvido médio é um santo graal", disse Zhe-Xi Luo, curador do Museu Carnegie de História Natural em Pittsburgh (EUA) e autor do estudo. "A audição sensível tornou possível para os primeiros mamíferos coexistirem com os dinossauros; era uma questão de vida e morte." O novo fóssil, disse, "nos dá uma percepção do complexo processo evolucionário por trás dessa característica central dos mamíferos".
A natureza tem caminhos delirantes, disse Neil Shubin, autor de "Your Inner Fish" (Seu peixe interno) e professor de biologia na Universidade de Chicago. "Esse trabalho mostra como o ouvido dos mamíferos não teve uma progressão linear", ele disse.
Pesquisadores propõem que uma pressão seletiva que orientou a evolução do ouvido médio dos mamíferos pode ter sido a necessidade de encontrar um suprimento constante de insetos, com seu zumbido agudo.
O ouvido mamífero também é mestre para detectar sons muito baixos: quando uma onda de pressão se aproxima e agita o tímpano e os ossículos que o sustentam, os movimentos dos ossos ajudam a amplificar a energia da onda antes de enviá-la adiante.
Os primeiros mamíferos provavelmente eram noturnos, para evitar os dinossauros que caçavam durante o dia.
"Foi fundamental para os mamíferos que seu elaborado sistema sensorial fosse bem adaptado a um nicho noturno", disse Luo.


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