São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2011

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As muitas faces do Beatle quieto

Por DAVE ITZKOFF

Dos quatro Beatles, George Harrison foi o que menos se esforçou para virar figura pública. E ele não se preocupava com como a posteridade o enxergaria.
"Quando perguntavam como ele gostaria de ser lembrado, George dizia 'não ligo para isso, não me importo se eu não for lembrado'", contou Olivia Harrison, que se casou com ele em 1978 e continuou a seu lado até George morrer, em 2001. "E acho que ele falava a sério. Não de uma maneira sarcástica, mas algo como 'por que eu deveria ser lembrado? Qual é a importância disso?'."
No entanto, Harrison preservava quase tudo o que vivia, quer estivesse gravando sua primeira aula de sitar, com Ravi Shankar, ou guardando malas ainda feitas de viagens ao exterior, que conservava como cápsulas do tempo.
Estes muitos aspectos de Harrison -o artista e o arquivista, o místico e o mistério- estão em um novo documentário, "George Harrison: Living in the Material World", dirigido por Martin Scorsese, que a HBO exibe nos EUA em 5 e 6 de outubro.
É o primeiro filme a ter como tema central Harrison, o chamado Beatle quieto, e a primeira vez que Martin Scorsese, cujo rol de documentários de rock já começa a rivalizar com seu célebre currículo de longas de ficção, focaliza os Beatles.
O documentário com 3,5 horas de duração seria notável simplesmente pela amplitude dos materiais que utiliza para contar a história de Harrison. Estes incluem imagens inéditas que ele guardava em Friar Park, sua mansão em Henley-on-Thames, Inglaterra, e novas entrevistas com colegas de banda, outros colegas e pessoas queridas como Eric Clapton, Tom Petty e Dhani Harrison, o filho de George e Olivia.
Para Scorsese, o documentário lhe permitiu mergulhar na vida de outro artista que, como ele próprio, nunca descansava. As canções de George Harrison "não eram canções de rock típicas, baseadas em blues -eram diferentes em estrutura e conteúdo", escreveu Scorsese em resposta a perguntas enviadas por e-mail.
"Como pessoa, ele parecia estar sempre mudando de um interesse profundo para outro, quer fosse música, meditação, cinema ou a restauração dos jardins."
Para Olivia Harrison, 63, que é produtora do filme, trata-se de uma abertura pública da vida de seu marido e também de sua própria, e ela precisou de vários anos para se sentir à vontade com isso.
"Quase não quero que as pessoas vejam o filme", ela disse. "É como convidar todo o mundo a entrar em seu espaço mais particular, seu mundo privado."
Quando lhe perguntam se ela sabia que um documentário sobre seu marido inevitavelmente exigiria que fosse contada a história por trás de "Layla", a balada romântica de Eric Clapton sobre Pattie Boyd, a primeira mulher de Harrison (que mais tarde se casou com Clapton), Olivia não pestanejou: pôs as mãos sobre os ouvidos e começou a cantar "lalalalalá".
"Se um filme seria feito sobre George, o mais importante era que a essência dele fosse representada, e foi isso o que Marty fez", disse. "Eu sei que o filme conta a verdade, porque me perturba."
Meses depois da morte de Harrison de câncer, aos 58 anos, contou Olivia, ela começou a receber pedidos de produtoras interessadas em fazer um filme sobre a vida dele. Em 2005 ela assistiu ao documentário "No Direction Home: Bob Dylan", de Scorsese, e achou que encontrara o diretor certo para contar a história de Harrison.
No documentário, Paul McCartney comenta uma relação de trabalho com George Harrison que nem sempre foi uma parceria equilibrada e que ocasionalmente era conflituosa; o normalmente brincalhão Ringo Starr se emociona e derrama algumas lágrimas. E Tom Petty recorda uma época em que Harrison, que tocou com ele no Traveling Wilburys, apareceu em sua casa com uma mala cheia de ukulelês.
Petty disse que falar sobre George Harrison diante da câmera foi inesperadamente difícil. "A gente não quer ver alguém como George ser inserido numa caixinha, porque ele foi realmente alguém que cobriu muito terreno, foi maior do que isso", disse.
No filme, Olivia Harrison fala do incidente em 1999 em que um homem invadiu a casa deles e apunhalou seu marido repetidamente, até que os instintos de autopreservação do casal entraram em ação, e eles dominaram o agressor.
"Não pensei que aquele seria um momento de definição na vida de George, mas algo realmente profundo saiu daquilo, e por isso eu falei sobre isso", disse.
O que levou Scorsese a querer fazer um filme sobre George Harrison foi um encontro com Olivia Harrison, em que ela lhe mostrou uma carta escrita por George à mãe dele quando ele tinha pouco mais de 20 anos de idade.
"Ele expressava a ideia de que sabia que a vida não se limitava à riqueza e fama", afirmou Scorsese. "Essa era uma pessoa que eu realmente estava interessado em conhecer melhor."


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