São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Europa vive angústia sobre sua identidade

Ansiedade cresce com assimilação de mais muçulmanos

Por STEVEN ERLANGER
MARSELHA, França - O minarete da nova Grande Mesquita de Marselha, cuja pedra fundamental será deitada em abril, será silencioso -nenhum muezim, ao vivo ou gravado, vai perturbar a vizinhança com o chamado para as orações. O minarete vai emitir um raio de luz por alguns minutos, cinco vezes ao dia.
Normalmente a luz seria verde, a cor do islã. Mas Marselha é uma cidade portuária, e o verde é reservado para a sinalização de navios. Vermelho? Não, essa cor já foi reservada pelos bombeiros.
Em vez disso, disse Noureddine Cheikh, chefe da Associação da Mesquita de Marselha, a luz provavelmente será roxa -um visual um tanto quanto de boate para uma construção tão elegante.
Isso seria um exemplo de assimilação? Cheikh dá risada. "Suponho que sim", diz. "Acho que é um bom símbolo de assimilação, sim."
Mas, enquanto a Europa ocidental mergulha em uma nova onda de ansiedade diante do impacto da imigração muçulmana -chocada, de maneiras diferentes, com as implicações de um voto suíço recente que proibiu completamente os minaretes-, alguns estudiosos enxergam uma dinâmica destrutiva na qual a assimilação alimenta uma reação que, por sua vez, gera ressentimentos, especialmente entre jovens muçulmanos.
Vincent Geisser, estudioso do islamismo e da imigração no Centro Nacional de Pesquisas Científicas francês, acredita que, quanto mais os muçulmanos da Europa se firmam como parte permanente dos cenários nacionais, mais assustam alguns europeus que pensam que suas identidades nacionais podem ser mudadas para sempre. "Hoje, na Europa, o medo do islã cristaliza todos os outros medos", disse Geisser. "Na Suíça, são os minaretes. Na França, é o véu, a burca e a barba."
A grande mesquita nova é motivo de orgulho aqui em Marselha, segunda maior cidade da França e que tem pelo menos 25% de habitantes muçulmanos. Mas também é motivo de alarme, disse Geisser: sinais visíveis de integração desencadeiam ansiedade xenófoba. "Todos esses símbolos revelam uma presença islâmica mais profunda e duradoura", disse. "É a passagem de algo temporário para algo implantado e que cria raízes."
Essa mudança vem sendo significativa nos últimos cinco anos, disse Geisser. "Estamos numa encruzilhada", disse, a encruzilhada de uma ansiedade europeia complexa causada pela crise econômica, o medo da globalização, o aumento da imigração, acompanhado pela queda nos índices de natalidade, e a inclusão de Estados nacionais em uma Europa ampliada.
"Existe na Europa uma angústia existencial em torno da identidade", disse. "Há uma sensação de que a Europa está encolhendo e perdendo importância. A Europa é como uma senhora idosa que, a cada vez que ouve um barulho, pensa que é um ladrão." Esse clima generalizado de ansiedade se traduz em um medo específico, diz ele: o medo do islã, "uma caixa que recebe os medos de todos".
Acredita-se que a UE tenha mais de 15 milhões de muçulmanos -possivelmente até 20 milhões. As relações entre muçulmanos e europeus têm sido, de modo geral, boas. Mas o terrorismo associado aos ataques na França, em 1995, e nos EUA, em 2001, vem tendo repercussões ao longo dos anos, reforçadas pelas explosões de bombas em trens de Madri em 2004; o assassinato, no mesmo ano, do cineasta holandês Theo Van Gogh, que fez críticas a conservadores muçulmanos; os atentados em Londres em 2005, e a controvérsia suscitada no mesmo ano pela publicação de charges dinamarquesas mostrando o profeta Maomé.
Em 2004, a França proibiu o uso do véu em suas escolas públicas. Hoje, está discutindo a possibilidade de proibir a burca, termo que o governo parece usar para indicar qualquer véu que cubra o rosto totalmente, incluindo o niqab, que deixa apenas os olhos à mostra. As medidas foram amplamente criticadas, vistas como manobras políticas do presidente Nicolas Sarkozy que capitalizariam sobre medos sociais para unir a centro-direita e cooptar a Frente Nacional, de extrema direita, antes das eleições regionais em março.
Os partidos de centro-direita e anti-imigração se saíram comparativamente bem nas eleições europeias de junho passado, em que o nível de participação foi baixo. Pela primeira vez o partido de extrema direita britânico conquistou duas cadeiras, e o Partido da Liberdade holandês teve 17% dos votos.
No ano passado, dinamarqueses e suíços focaram as atenções em mesquitas e minaretes. Os planos de construção das duas primeiras grandes mesquitas em Copenhague encontraram oposição da direita. A votação na Suíça foi condenada por alimentar o medo e o racismo.
Youcef Mammeri, que escreve sobre o islã na França e é membro do Conselho Conjunto de Muçulmanos de Marselha, diz que as discussões sobre minaretes, burcas e identidade nacional deixaram revoltados muitos muçulmanos nascidos na França e os uniu em um círculo defensivo.
Questionado sobre as origens dessa "ansiedade em torno do islã", Mammeri disse: "Eu me pergunto a mesma coisa". Ele identifica "um aspecto perverso em todas essas perguntas feitas aos muçulmanos, que não são coerentes", mas que, para ele, "liberam e dignificam o racismo", além de "estigmatizar os muçulmanos".
Para Mammeri, o racismo na França passou de antiárabe para antimuçulmano, o que, para ele, é "um retrocesso terrível".
Se, dez anos atrás, os muçulmanos debatiam sobre política e assimilação, "hoje todos concordam e reagem da mesma maneira", disse Mammeri. "Eles se sentem atacados. Hoje percebemos que ser um muçulmano secular ou moderado ou radical não é a pergunta certa. A questão diz respeito a ser muçulmano, simplesmente."


Colaborou Nadim Audi



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