São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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Chinês advoga para réus condenados de antemão

Por VERNA YU
HONG KONG - Se não fosse por seu histórico familiar "ruim", Mo Shaoping poderia ser hoje um militar de alta patente. Mas ele se tornou um dos principais advogados de direitos humanos da China, representando dissidentes políticos, jornalistas e até seguidores da proscrita seita Falun Gong.
Já foram seus clientes Huang Qi, recentemente condenado a três anos de prisão por exigir uma investigação sobre os desabamentos de escolas no terremoto de Sichuan em 2008; Zhao Yan, pesquisador do "New York Times" que foi acusado de revelar segredos de Estado; e Liu Xiaobo, preso três vezes antes de ser recentemente sentenciado a 11 anos de prisão por "incitação para subverter o poder estatal", devido ao seu trabalho pelo manifesto pró-democracia Carta 08.
Liu foi representado por outros advogados do escritório de Mo durante o julgamento no final de dezembro em Pequim porque o próprio Mo foi proibido de defender diretamente o cliente, já que havia também assinado a Carta 08, que clama por reformas políticas e estado de direito.
"Essas coisas podem ser debatidas, mas não se pode simplesmente mandar as pessoas à cadeia", disse ele antes do veredicto. Assumir casos politicamente delicados pode ser perigoso para advogados chineses, mas há mais de uma década essa é a missão de Mo. Ele começou a defender dissidentes em 1995, quando a mulher de Liu Nianchun, militante pró-democracia, não conseguia convencer nenhum outro advogado a representar seu marido.
"Qualquer que seja o crime cometido, a pessoa sempre deve ter direito a um advogado -esse é um dos direitos humanos mais básicos", disse Mo, 51, em entrevista em Hong Kong, onde assistia à formatura da filha. "Acredito que cabe à posteridade julgar quem está certo ou errado."
Talvez felizmente para os seus clientes, Mo foi podado em suas primeiras ambições profissionais. Ele entrou no Exército aos 18 anos, em 1976, assim que a Revolução Cultural terminou. Mas, quando tentou se matricular em uma escola militar, no ano seguinte, foi barrado devido ao seu "complexo histórico familiar".
Só depois soube o que isso significava. Seu avô paterno havia sido latifundiário e parlamentar sob o governo do Kuomintang, antes da ascensão comunista ao poder, em 1949. O avô materno havia sido professor de filosofia e religião, com doutorado na Universidade de Chicago.
Ambos morreram durante a Revolução Cultural -um torturado pela Guarda Vermelha; o outro, levado ao suicídio. Mo, nascido em Pequim, não conheceu os avôs, que viveram no sul da China, nem sabia das circunstâncias da morte deles. Por causa do ambiente político na época, seus pais -médicos enviados para trabalhos no interior durante a Revolução Cultural- nunca conversaram com ele sobre a problemática origem "burguesa" dos avôs.
A ONG Human Rights Watch elogia Mo por ser o advogado que mais assumiu casos relevantes de direitos humanos na China, mas ele lembra que esses são os processos mais arriscados e os menos remunerados.
E ainda falta ele ganhar alguma ação. Todos os seus clientes foram presos ou exilados por promoverem a democracia ou por ousarem desafiar o monopólio de poder do Partido Comunista. "É impossível ganhar esses casos", disse ele. "O melhor que se pode esperar é um acordo."
Mas Mo é otimista. "A China irá avançar para a democracia", afirmou. "E ninguém pode obstruir seu caminho."


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