São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Estados mexicanos punem abortos com rigor

Direitos reprodutivos se restringem à capital

Por ELISABETH MALKIN
GUANAJUATO, México - Aqui no Estado de Guanajuato, governado há mais de 15 anos por conservadores católicos, é procedimento padrão investigar suspeitas de aborto. Isso envolve, com frequência, interrogatórios do Ministério Público com mulheres ainda hospitalizadas.
Mas Guanajuato não é exceção, segundo ativistas dos direitos femininos e alguns profissionais da saúde, já que um amplo movimento pelo cumprimento das leis antiaborto vem ganhando impulso em outras partes do México.
Isso é em parte uma reação à decisão da Cidade do México, há três anos, de autorizar o aborto em qualquer gestação com até 12 semanas. Desde que a Suprema Corte confirmou a lei, em 2008, 17 Estados aprovaram emendas constitucionais declarando que a vida começa na concepção, embora o aborto continuasse ilegal fora da capital, exceto em casos de estupro ou risco à vida da mãe.
"É uma resposta política", disse o jurista Pedro Salazar, do Instituto de Pesquisas Legais da Universidade Autônoma Nacional do México. "Essa é uma iniciativa bem coordenada, não uma decisão espontânea."
Advogados afirmam que as emendas às constituições estaduais, em vez de endurecerem a legislação antiaborto atual, se destinam a evitar que futuros governos locais venham a legalizar a prática.
A repressão ao aborto aqui em Guanajuato criou, segundo críticos, um clima em que qualquer gestação que não termine com um bebê sadio desperta suspeitas.
O medo de ser investigado faz com que até mesmo algumas mulheres que desejam estar grávidas "tenham de pensar duas vezes sobre ir a um hospital" caso sofram complicações ou percam o bebê, segundo Nadine Goodman, que dirige uma escola para parteiras na localidade de San Miguel de Allende.
Luis Alberto Villanueva, diretor-adjunto de saúde materna do Ministério da Saúde, se disse preocupado com as consequências das punições ao aborto. "A busca intencional por 'provas' em mulheres com sangramentos na primeira metade da gestação desvia os profissionais da saúde da sua tarefa", afirmou, "e afasta as mulheres dos postos médicos". Ele acrescentou que as mulheres pobres são vulneráveis.
Promotores de Guanajuato abriram 166 investigações por abortos nos últimos dez anos, segundo ativistas dos direitos femininos. A maioria não chega a julgamento, mas nove mulheres já foram condenadas por abortarem. Sentenciadas a prisão, pagaram fiança para poderem cumprir pena em liberdade.
No Estado de Veracruz, banhado pelo Golfo do México, uma instituição feminina estadual descobriu neste ano que oito mulheres cumprindo pena por homicídio -teriam matado seus bebês após estes nascerem vivos -haviam provocado abortos, o que acarretaria uma pena muito mais branda, ou então tinham sofrido abortos espontâneos ou parido natimortos. Elas já foram soltas, segundo a instituição.
Outras oito mulheres foram presas sob acusação de homicídio em Guanajuato nos últimos anos, gerando um debate sobre se as autoridades não estariam usando essa tipificação penal para punir mais duramente mulheres que fazem abortos, ou que talvez tenham simplesmente perdido seus bebês durante a gravidez.
Os casos foram divulgados em meados deste ano, quando uma das mulheres foi posta em liberdade, e então a imprensa nacional foi em peso a Guanajuato para entrevistar as presas. Algumas alegaram que foram obrigadas a assinar confissões depois de parirem natimortos ou prematuros.
"As mulheres entraram em trabalho de parto sozinhas", disse o advogado Javier Cruz Angulo, que dirige a clínica forense da Universidade Cide, da Cidade do México, que obteve o primeiro recurso a favor das mulheres. "Não havia serviços de saúde."
Os casos criaram tamanho furor que o Congresso Estadual teve de alterar as sentenças das mulheres -que cumpriam penas de 25 a 30 anos de prisão- e as aplicou retroativamente. Em setembro, elas foram soltas, mas não absolvidas.
Yolanda Martínez, 25, que passou quase sete anos presa, saiu com o punho erguido. "Este Estado é duro demais", declarou ao ser posta em liberdade. "Eles lhe acusam de crimes que você jamais cometeu."


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