São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2011

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ANTHONY TOMMASINI ENSAIO

Salas de concertos cheias de virtuosismo técnico


Nova geração vê a técnica como caminho para fama


A habilidade técnica dos pianistas parece ter crescido exponencialmente nos últimos dez anos. A mais recente jovem pianista chinesa a ser louvada é Yuja Wang. Sim -Wang, que tem 24 anos, é capaz de tocar qualquer coisa. A Deutsche Grammophon lançou a primeira gravação dela com uma orquestra: "Rapsódia sobre um Tema de Paganini" e "Segundo Concerto de Piano", de Rachmaninoff, com a Orquestra de Câmara Mahler. O regente é Claudio Abbado -um maestro de renome, extremamente cuidadoso na escolha de colaboradores.
Mas não apenas na China, nos últimos anos, surgiram nomes como Lang Lang e Yundi Li.
A Rússia nos deu Kirill Gerstein, nascido em 1979 e o mais recente premiado com o prestigioso Gilmore Artist Award; sua gravação extraordinária da "Sonata" de Liszt, "Humoreske" de Schumann e uma obra fantasiosa de Oliver Knussen foi uma das melhores de 2010. No Instituto Internacional do Teclado e no Festival de Nova York, neste verão do hemisfério norte, Daniil Trifonov, 20, que acabara de sagrar-se vencedor do Concurso Internacional Tchaikovski, em Moscou, deu mostras de habilidade extraordinária.
A música erudita vem enfrentando sua devida parcela de desafios, entre os quais o declínio da apreciação dessa forma de arte, e o fato de que nem todos os segmentos do público têm acompanhado os avanços técnicos dos instrumentistas. Muitos frequentadores de concertos passaram a simplesmente esperar que qualquer solista seja um fenômeno em termos técnicos.
Alguns meses atrás o pianista Gilbert Kalish, que ensina na Universidade Stony Brook, em Long Island, disse que quando os "Études" de Gyorgy Ligeti, que exploram novas áreas de textura, som e técnica, chamaram a atenção, nos anos 1990, foram vistos como quase impossíveis de se tocar. Apenas ases como o pianista francês Pierre-Laurent Aimard conseguiam tocá-los. Mas agora, disse Kalish, "meus alunos em Stony Brook os tocam sem problemas".
Em um e-mail recente, Kalish falou que os compositores sempre tentam superar os limites técnicos: "Alguém cria uma obra de dificuldade extraordinária, que parece impossível de tocar, e então, simplesmente porque ela existe (e é excelente), as pessoas se superam para conseguir tocar."
No início do século 20, a perfeição técnica não era tão valorizada quanto a imaginação artística e a riqueza musical. Pianistas como Alfred Cortot, Vladimir Horowitz e o próprio Rachmaninoff tinham técnica maravilhosa. Mas as plateias e os críticos toleravam performances menos perfeitas. Cortot era imensamente respeitado, mas a gravação que fez dos "24 Études" de Chopin no início dos anos 1930 é cheia de erros.
Hoje em dia, tocar os estudos de Chopin é praticamente o mínimo esperado de um pianista. O brilhante pianista russo Nikolai Lugansky gravou os "Études" completos em seu segundo álbum, lançado em 2000. É fascinante comparar sua versão do primeiro estudo de Chopin com a versão de Cortot (as duas podem ser encontradas no YouTube).
Buscar a perfeição é algo perigoso. Depois de Van Cliburn ter vencido o Concurso Tchaikovski em 1958, uma nova geração passou a ver o virtuosismo técnico como caminho para a fama. Mas críticos constataram que muitos instrumentistas não tinham muito mais a oferecer, além de técnica.
Hoje, contudo, a excelência técnica é tamanha que pianistas podem cultivar estilo próprio. É o que fazem artistas como o ucraniano Alexander Romanovsky, cuja gravação dos "Études-Tableaux" de Rachmaninoff, feita em 2009, é belíssima, ou o criativo húngaro-polonês Piotr Anderszewski, intérprete excepcional de Bach.
Há pianistas que possuem a técnica necessária para tocar qualquer coisa, e há aqueles que possuem toda a técnica de que precisam para tocar a música que tem sentido para eles.
Eu situo Richard Goode, Mitsuko Uchida e Andras Schiff no primeiro grupo. Entre os artistas mais jovens, esse clube inclui Jonathan Biss, instrumentista sensível e escrupuloso, e o israelense David Greilsammer, cuja musicalidade elegante eu acho mais gratificante que o virtuosismo hiperexpressivo de Lang Lang.
Com pianistas cada vez melhores, há tantos bons pianistas que, paradoxalmente, eu me impressiono menos com o virtuosismo.
Na temporada passada, o pianista Evgeny Kissin apresentou-se no Carnegie Hall. Depois de sua "Sonata" de Liszt, um expectador do meu lado perguntou? "Você já ouvi essa música em versão tão magnífica?" Na realidade eu ouvira, sim, em um recital magnífico de Stephen Hough, alguns meses antes. Hough é mais um pianista que é capaz de tocar qualquer coisa. E a lista só faz aumentar.


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