São Paulo, segunda-feira, 06 de abril de 2009

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Ciência & Tecnologia

Armamentos feitos para exibir, e não só para lutar

Por NICHOLAS WADE

A natureza tem fama de selvagem, mas muitas disputas no reino animal são caracterizadas mais pela contenção do que pela mortandade. A competição entre machos com frequência se manifesta na forma de armas elaboradas, feitas de osso, chifre ou cartilagem. As armas geralmente começam pequenas e então, sob a pressão da concorrência, podem evoluir e atingir proporções gigantescas. O alce irlandês, hoje extinto, tinha chifres com envergadura de 3,6 metros. O lado negativo desse adorno, porém, era que o pobre animal tinha de carregar mais de 35 quilos de osso na cabeça.
Em uma nova revisão da seleção sexual, uma forma especial da seleção natural que leva a armamentos e decorações incríveis, o biólogo Douglas J. Emlen, da Universidade de Montana (EUA), reuniu ideias sobre as forças evolucionárias que tornaram as armas animais tão diversificadas.
A seleção sexual foi a solução de Charles Darwin para um problema colocado pelas armas incômodas exibidas por muitas espécies e os ornamentos barrocos desenvolvidos por outras. Elas pareciam desvantajosas na luta pela sobrevivência e, portanto, contrariavam sua teoria da seleção natural. Para explicar essas extravagâncias, Darwin concluiu que armamentos e ornamentos deviam servir para a competição por parceiras reprodutivas.
Na opinião dele, a evolução dos armamentos foi impelida pela luta entre os machos pelas fêmeas, enquanto os ornamentos surgiram da escolha pelas fêmeas de características que elas apreciavam nos machos.
Emlen se interessou pelo armamento animal depois de estudar uma espécie de besouro coprófago —comedor de excrementos, vulgarmente conhecido como “rola-bosta”, porque constrói bolas de excremento de gado que rola para os túneis que escava— do Panamá que é especializado em fezes de macacos. Ele ampliou seus estudos para os besouros iguais de todo o mundo e notou um padrão em seus armamentos. Esses besouros têm duas estratégias principais. Alguns, como os escaravelhos, cortam pedaços de excremento e os rolam para consumo privado. Outras espécies cavam embaixo de um depósito e o levam para seus túneis.
Emlen notou que apenas as espécies de besouros que faziam túneis tinham desenvolvido chifres, que os machos usam para proteger seus túneis de outros machos.
“Fiquei fascinado por animais com morfologias estranhas que fazem você pensar como eles poderiam se acasalar”, disse Emlen. Depois de reunir trabalhos sobre “qualquer coisa que tivesse estruturas bizarras”, ele começou a ver um padrão em quem desenvolvia armas ou não. Sempre que havia algum recurso que pudesse ser monopolizado e usado para vantagem reprodutiva, os machos desenvolviam armas para combater outros machos.
O custo de desenvolver e carregar a arma, Emlen deduziu, era superado pelo maior acesso às fêmeas, obtido por possuir algo valorizado, como uma fonte alimentar ou um túnel onde as fêmeas poderiam depositar ovos.
O cientista notou uma tendência para que as armas começassem pequenas, como meras saliências ósseas, e evoluíssem a formas mais ornamentais —que, apesar de seu aspecto temível, parecem causar menos perdas de vidas.
O motivo é que as armas mais ameaçadoras muitas vezes adquiriram um papel de sinalização. Em vez de arriscar a vida em combates mortais, um macho pode avaliar a força do outro medindo a arma do rival e recusar o combate ao ver-se em desvantagem.
“As armas mais elaboradas raramente causam danos reais aos adversários, mas são muito eficazes para revelar diferenças sutis entre os machos em seu tamanho, posição ou condição física”, escreve Emlen na recente edição de “Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics”.
Geerat Vermeij, biólogo evolucionário da Universidade da Califórnia em Davis, especialista na disputa de armas entre os moluscos e seus predadores, concorda com Emlen que as armas começaram assim que houve algo a ser defendido. Mas Vermeij disse que é “cético sobre a conclusão de que as armas inicialmente nocivas se transformam em armas de exibição”. Quanto dessa teoria de armamentos masculinos se aplica a um grupo não incluído na pesquisa de Emlen, o dos primatas, particularmente os humanos?
As pessoas têm dentes e garras pateticamente pequenos, comparados com os armamentos de outras espécies. Isso não é um sinal de intenções pacíficas, mas de que eles fabricam suas armas. As armas fabricadas, assim como as biológicas, assumiram uma função de exibição —pense na aparência temível dos capacetes dos samurais ou nos cavaleiros armados.
Mas existe menos razão para pensar que as armas humanas se tornaram menos destrutivas quanto mais elaboradas, como Emlen afirma ser o caso do armamento animal. “Nós não reduzimos a letalidade de nossas armas, apesar de realmente as usarmos para exibição e bravata, como fazem outros animais”, disse.


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