São Paulo, segunda-feira, 06 de abril de 2009

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Ensaio
John Tierney

Recessão gera síndrome de “remorso dos poupadores”

Agora que os consumidores estão evitando usar o cartão de crédito, corremos o risco de uma curiosa epidemia: o remorso dos poupadores.
As vítimas não vão causar muita simpatia, mas sua condição já ganhou um novo rótulo. Os psicólogos do consumo a chamam de hiperopia (ou hipermetropia), termo médico para enxergar mal de perto, o contrário de miopia. Elas estão tão obcecadas por se preparar para o futuro que não conseguem desfrutar o presente. Acabam olhando tristemente para trás às oportunidades perdidas de diversão.
A hiperopia parece afetar um amplo leque de consumidores sob certas circunstâncias, a julgar por experimentos feitos com pessoas que procuram comprar pechinchas e ganhar prêmios redentores.
Dar-se o prazer de umas férias ou uma televisão de plasma pode produzir um caso imediato de remorso do comprador, mas esse sentimento não é permanente, segundo Ran Kivetz, da Universidade Columbia, e Anat Keinan, de Harvard. Em um estudo, esses psicólogos do consumo perguntaram a estudantes colegiais como se sentiam sobre o equilíbrio entre trabalho e lazer em suas férias.
Imediatamente depois das férias, os principais remorsos dos estudantes foram por não estudar, trabalhar ou economizar o suficiente. Mas, quando eles avaliaram as mesmas férias um ano depois, havia maior probabilidade de lamentar não ter-se divertido, viajado ou gastado mais. E quando questionados novamente, agora aos 40 anos, tinham remorsos ainda mais fortes sobre trabalhar demais e não se divertir o suficiente nas férias.
“As pessoas sentem culpa sobre o hedonismo logo em seguida, mas, com o tempo, a culpa se dissipa”, disse Kivetz, que ensina marketing na escola de economia de Columbia. “Em algum ponto há uma inversão, e o que se guarda é essa sensação de ter perdido os prazeres da vida.”
Ele e Keinan conseguiram mudar o comportamento dos consumidores simplesmente fazendo algumas perguntas às pessoas antes de elas irem às compras. As pessoas que foram solicitadas a imaginar como se sentiriam na semana seguinte sobre suas compras passaram a comprar com parcimônia, priorizando itens básicos como roupas de baixo e meias.
Mas as pessoas que foram solicitadas a imaginar como se sentiriam sobre suas compras no futuro distante reagiram gastando mais e se concentrando em supérfluos, como bijuterias e jeans de marca.
“Quando revejo a minha vida, gosto de lembrar de mim mesmo feliz. Por isso, se algo me faz feliz, vale a pena”, explicou um desses gastadores.
Esopo contou uma fábula sobre dois tipos de pessoas: a formiga virtuosa que economiza para o inverno e a cigarra imprudente que é punida com a fome. Mas até as formigas mais conscientes reconhecem a necessidade de relaxar —e com disciplina encontram maneiras de “ceder à indulgência”, como descobriu Kivetz em um experimento de sorteio.
As participantes da experiência, todas mulheres, receberam um bilhete de sorteio que se realizaria três meses depois e foram solicitadas a escolher antecipadamente que prêmio prefeririam caso ganhassem: US$ 85 em dinheiro ou um vale de US$ 80 para um tratamento em uma spa.
Elas foram lembradas que poderiam simplesmente usar os US$ 85 para comprar o tratamento no spa (e ficar com o troco de US$ 5), mas mesmo assim mais de 30% das mulheres escolheram o vale para o spa. “Se eu pegasse o dinheiro, acabaria gastando no aluguel”, explicou uma delas.
Outros experimentos mostraram que as pessoas trabalham mais por bens de luxo do que para prêmios práticos —e, quanto mais esforço for necessário, mais as pessoas sentem o direito de uma recompensa indulgente.
Essa é uma estratégia de motivação que gerentes e marqueteiros devem lembrar, disse Kivetz. “Não seja duro demais consigo mesmo”, disse. “Obviamente você precisa ser responsável e conservar sua poupança. Mas, desde que você tenha condições, não há nada errado em se dar um pouco de prazer. Esta é uma oportunidade para reavaliar a qualidade e o equilíbrio da sua vida e pensar como você se sentirá no futuro.”


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