São Paulo, segunda-feira, 06 de abril de 2009

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Dinheiro & Negócios

Recessão põe fim à era do dinheiro fácil em Hollywood


Executivos do cinema sentem o estresse da reformulação no setor

Por MICHAEL CIEPLY e BROOKS BARNES

UNIVERSAL CITY, Califórnia — Nos bangalôs onde funciona o estúdio DreamWorks, de Steven Spielberg, há menos espaço para fanfarronice hoje em dia.
Quando a empresa se reorganizou como uma operação independente, há alguns meses, a sócia e executiva-chefe, Stacey Snider, imaginava-se presidindo um grande império. Foi uma ótima fantasia enquanto durou.
Snider, 47, contou que logo percebeu que não estaria “presidindo nada”. “Você está de volta às trincheiras”, disse ela para si mesma. Após duas décadas de crescimento quase ininterrupto por causa das revoluções da TV a cabo e do vídeo, uma nova geração de poderosos de Hollywood finalmente está sendo testada. Esses executivos —que chegaram jovens e fizeram carreira no setor— agora se aproximam dos 50 anos, justo no momento em que alguns problemas brutais estão aparecendo: um colapso nas vendas de DVDs, uma crise de crédito que restringiu o financiamento para novos filmes e um grupo de proprietários determinados a obter mais lucros dos estúdios, para compensar o abalo às suas divisões de TV e mídia impressa.
“Esse pessoal nasceu em um lugar onde não se conhecia o fracasso —tudo o que eles sempre viram foi crescimento, para o negócio e para suas carreiras”, disse Peter Gruber, ex-presidente da Sony Pictures, hoje produtor e “estadista emérito” do setor. “Agora eles precisam enfrentar a perturbadora verdade de que o fracasso está ao alcance e que é sua responsabilidade garantir que ele não aconteça.”
Com o corte de pessoal e de contratos com produtores, muitos executivos esperam emular alguns dos caubóis empreendedores —David Geffen, Barry Diller e Michael Eisner vêm à mente— da geração de manda-chuvas que os antecedeu.
Inevitavelmente, a repentina guinada provocou questionamentos dentro da tênue rede de aliados e adversários que têm de reprogramar o setor num intervalo curto, antes que uma próxima geração de Hollywood apareça para substituí-los.
Eles estão reduzindo orçamentos, rebaixando expectativas e eventualmente se tornando mais cruéis, mas também enfrentando alguns pensamentos excepcionalmente filosóficos a respeito de um negócio pelo qual agora têm de lutar.
A incerteza gera estresse, mesmo entre amigos. “Darwiniano” é um termo que Patrick Whitesell, sócio da agência de talentos Endeavor, usa para descrever o cenário atual. Gente que costumava ter sucesso se agarrando à mediocridade de repente se vê sem cobertura, disse ele.
“Todo o mundo tem de cavar mais fundo do que nunca”, disse Whitesell, que fez carreira na TV e hoje atua como agente. “Isso significa fazer negócios mais criativos, uma compreensão mais completa da economia do setor, decisões empresariais mais definidas.”
Vários executivos e agentes recusaram-se a ser entrevistados para esta reportagem, citando preocupações com competidores e supervisores corporativos. Quem falou admitiu que muita gente fora deste glamouroso setor está em situação pior. Hollywood está fabricando um dos únicos produtos que os consumidores ainda fazem fila para comprar, algo comprovado pelo aumento do faturamento nas bilheterias desde dezembro. Essa alta não chega nem perto de compensar o declínio nas vendas de DVDs, mas outros negócios —transmissão on-line, vídeo on-demand— estão se ampliando.
“Vejo isso como dores do crescimento”, disse Donald De Line, 50, executivo da Disney e da Paramount que é um dos principais produtores do setor. “Conseguiremos resolver isso, e os fluxos de faturamento se tornarão saudáveis novamente. Essa é a história de Hollywood.”
Não foi para suportar dores financeiras que o produtor Kevin Misher, 44, formado em finanças na Universidade da Pensilvânia, veio para Hollywood. Mas após deixar sua marca como executivo da Universal e da Sony, Misher perdeu o conforto de um contrato de produção com a Paramount, rompido em 2008 em meio ao corte de gastos.
“Você está, afinal de contas, se defendendo por conta própria”, disse Misher. Assim como vários outros “filhotes de estúdios” com idades semelhantes, ele agora trabalha em um escritório distante das sedes das companhias, mas ainda alimenta o sistema com filmes como “Inimigos Públicos”, de Michael Mann, a ser lançado em julho pela Universal.
Mas ele também vê um lado positivo: o ambiente operacional difícil força produtores como ele e Snider a irem mais fundo no processo de realização dos filmes.
“Se é isso que você ama fazer, vá em frente”, Snider lembra ter dito a si própria recentemente, embora a DreamWorks estivesse sofrendo para completar os acordos que lhe permitiriam financiar outra leva de filmes.
Snider acrescentou que ela e o resto da sua geração —tendo percebido que o verdadeiro prêmio é estar no jogo— podem permanecer um pouco mais do que pretendiam, em vez de dar lugar às pessoas na faixa dos 30 anos que aguardam sua vez de chegar ao topo. “Eles vão ter de me chutar daqui”, afirmou ela.


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