São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

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Crise rouba a cena da Revolução Laranja

Por CLIFFORD J. LEVY

KIEV, Ucrânia - A Ucrânia, país no qual a crise econômica desferiu um golpe devastador, está sem ministro da Economia desde fevereiro. Também está sem chanceler e ministro da Defesa. O titular da pasta dos Transportes acaba de renunciar. E o ministro do Interior também ofereceu sua renúncia, após ser acusado de comportamento inapropriado.
Apesar de terem sido aliados e heróis da Revolução Laranja, que em 2005 levou ao poder um governo pró-Ocidente, o presidente e a premiê não se falam mais. Parece que o espírito da revolução foi desperdiçado em um país permanentemente dominado pela paralisia política.
A população parece tão frustrada que o líder da oposição, dono de vínculos estreitos com o Kremlin e frequentemente retratado como o vilão da Revolução Laranja, é visto como favorito precoce para vencer a eleição presidencial prevista para janeiro próximo.
O clima reinante se reflete na popularidade de um videoclipe visto centenas de milhares de vezes nos últimos dias.
Ele mostra a premiê Yulia Tymoshenko, que antes empolgava a Ucrânia com seu slogans animados e penteado de trança camponesa, logo antes do momento em que faria um discurso na TV, alguns dias atrás.
De repente seu teleprompter emperra, e a primeira-ministra diz, irritada, "sumiu tudo".
Tymoshenko estava se referindo ao texto do discurso, mas suas palavras -que também podem ser traduzidas por "tudo está desabando- vêm sendo vistas como um epitáfio de seu movimento político.
O impasse político tem levado os maiores países da Europa a expressar preocupação com a ideia de que a Ucrânia não está conseguindo cuidar de sua economia declinante. Eles temem que um colapso econômico nesse país possa reverberar no ex-bloco soviético e até além dele.
Recentemente, os ministros de Relações Exteriores da Alemanha e da Polônia fizeram uma incomum visita conjunta à capital ucraniana, Kiev.
O ministro alemão, Frank-Walter Steinmeier, se declarou "extremamente preocupado" com a Ucrânia, sugerindo que seus políticos precisam parar com brigas internas se quiserem receber assistência.
Autoridades europeias também avisaram que a Ucrânia está drasticamente atrasada nos preparativos para sediar o campeonato europeu de futebol em 2012 e corre o risco de perder o evento.
As pastas principais do gabinete estão acéfalas em parte porque Tymoshenko e o presidente, Viktor Yushchenko, não conseguem chegar a um acordo sobre nomes para substituir os ministros afastados. Tymoshenko usou o Parlamento para demitir os ministros da Defesa e das Relações Exteriores, nomeados pelo presidente.
Nos bastidores, assessores do presidente alegam que Tymoshenko não é confiável e que ela teria desígnios maquiavélicos de dominar o poder. Aliados da premiê respondem que o presidente é um político canhestro que tem inveja do carisma e da popularidade de Tymoshenko.
Otimistas em Kiev disseram que a crise se agravou em grande parte porque a classe política está manobrando para melhor sua situação antes da eleição presidencial e observaram que os líderes ucranianos sempre encontraram uma maneira de recuar antes de chegarem à beira do precipício.
A popularidade do presidente Yushchenko, que ganhou atenção mundial durante a Revolução Laranja, em 2004 -quando seu rosto ficou marcado em decorrência de uma tentativa de envenenamento cuja origem nunca foi descoberta-, caiu para abaixo de 10%, e ele parece ter poucas chances de se reeleger.
Yushchenko vem sendo criticado até por seus próprios assessores, em decorrência de uma atuação destituída de brilho que afastou-o do público.
As relações entre a premiê e o presidente deterioraram a tal ponto que Tymoshenko recentemente chegou a tentar formar uma coalizão com um adversário político da Revolução Laranja, Viktor Yanukovich, ex-primeiro-ministro que lidera a oposição no Parlamento. O esforço implodiu em meio a uma cacofonia de acusações e contra-acusações.
O último ministro das Finanças ucraniano, Viktor Pynzenyk, político amplamente respeitado, reconheceu em entrevista que o governo se tornou disfuncional ao extremo. Ele disse que renunciou ao cargo porque tornou-se impossível comandar os assuntos fiscais do país. "As pessoas estão desiludidas não com a Revolução Laranja, mas com os políticos", disse ele.


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