São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

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Taleban vira entrave para se chegar a pico mortal

GRAHAM BOWLEY
ENSAIO

Em uma meia-noite de junho, saí de Islamabad, a capital paquistanesa, e rumei para o norte em um miniônibus Toyota branco, em uma viagem para descobrir a segunda montanha mais alta da Terra, o K2.
Meu objetivo era escrever um livro sobre os montanhistas que desafiam aquelas encostas mortíferas -queria provar o sabor do perigo. Afinal consegui mais do que pretendia, e não só da natureza.
O K2, que se ergue 8.611 metros acima da fronteira entre o Paquistão e a China, é considerado uma das montanhas mais belas do mundo, mas também uma das mais perigosas. No início desta temporada de montanhismo, só 296 pessoas já tinham conquistado seu cume, e 77 haviam morrido tentando.
Mas, neste ano, até mesmo chegar à montanha havia se tornado perigoso. Tive de viajar por uma estrada longa e traiçoeira que percorria o sinuoso vale do Swat, no Paquistão, palco de batalha entre o Exército paquistanês e o Taleban.
Minha partida foi calculada para que o ônibus passasse pelas áreas consideradas mais arriscadas de madrugada, quando os militantes estariam dormindo ou rezando. Mas o Foreign Office britânico e o Departamento de Estado americano haviam advertido seriamente sobre sequestros, e nos postos de gasolina na estrada guardas exibiam rifles Kalashnikov.
Depois de dois dias, eu me senti mais seguro na região que havia procurado -as montanhas elevadas, onde me uni a escaladores que iniciavam o percurso para leste na direção do vale da geleira Baltoro e das aterrorizantes montanhas da cadeia interna de Karakoram.
Em Askole, aldeia de casas de madeira onde crianças brincavam sem sapatos na terra, contratamos carregadores balti que correram pelos caminhos quentes e empoeirados junto às águas que desciam da geleira.
Em contraste com as roupas e sandálias despojadas dos carregadores, os montanhistas usavam trajes caros de alta tecnologia. O engenheiro alemão Dirk Grunert, 39, bebia obsessivamente todos os dias litros de água fervida para suportar a altitude. Um casal de Portugal mantinha por telefone via satélite um site na web de suas aventuras.
Todos tinham histórias de experiências próximas da morte nessas montanhas. Dirk caiu para trás na neve profunda perto do cume do Nanga Parbat. Paulo Roxo, um dos portugueses, contou que certa vez caiu perigosamente quando sua corda falhou. "Nunca sei explicar por que escalo, mas o perigo faz parte disso. É a natureza não planejada da coisa", disse.
Eu tinha vindo como mero observador e pretendia apenas escalar até o acampamento na base do K2. Escutando os verdadeiros montanhistas, só pude refletir sobre a escala de sua ambição para desafiar a sorte e enfrentar perigos tantas vezes.
À noite, dormindo em tendas sobre gelo e rochas, a natureza nos lembrava seu poder. As garrafas de água congelavam. A geleira produzia estalos fortes e fantasmagóricos, que pareciam tiros, enquanto se movia sob nós.
Finalmente, após oito dias de caminhada e respiração difícil, meus pulmões pareciam vazios de oxigênio no ar rarefeito, e saltei sobre uma fenda para alcançar o campo na base do K2, a 4.880 metros de altitude. A base em si era uma longa extensão de rochas que serpenteava sob o pico. Era árida, mas não tão isolada quanto eu havia esperado por causa dos problemas políticos que afetam o Paquistão. Soube que, no ano passado, o acampamento ficou coberto pelas tendas de mais de 20 expedições. Este ano, além de nós, havia apenas dois grupos; só alguns outros eram esperados para as semanas seguintes.
Mesmo os desafiadores da morte nas montanhas tinham se sentido ameaçados pela necessidade de passar pela violência humana lá embaixo. Os riscos da montanha eles achavam que conheciam. A guerra era outra coisa.
No dia seguinte, quando começamos a descida, houve mais uma surpresa. Cerca de 100 metros abaixo, meu companheiro de viagem e fotógrafo Andrew Ensslen, 30, caiu de exaustão e teve um sério enjoo devido à altitude.Escaladores nos recomendaram que descêssemos rapidamente, mas ele mal conseguia andar. Mesmo no acampamento da base, afinal, a montanha poderia ser fatal para nós. Pedi socorro pelo telefone via satélite, e quatro horas depois dois helicópteros militares verdes
desceram do céu.
Dois dias depois, no aeroporto de Londres, meu amigo se recuperava da doença, e eu só podia refletir sobre a intensidade da experiência.
Uma parte de mim lembrou as palavras de Dirk Grunert, que tentou explicar as qualidades da escalada: "Na montanha existe um foco, a absorção total do montanhismo", ele disse. "E depois há o retorno, a volta é o melhor."
Mas também houve o oficial da imigração irritado que me recebeu no Reino Unido com uma censura, por eu ter desafiado a zona de guerra embaixo. "Graham, você não sabe a sorte que teve", disse o oficial.


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