São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Cresce a dependência americana do betume canadense

Por CLIFFORD KRAUSS e ELISABETH ROSENTHAL

CONKLIN, Alberta (Canadá) - Sob as florestas subárticas do oeste do Canadá e das suas manadas de alces, bem mais abaixo do lodaçal de turfa, fica a rocha de piche que é uma das principais fontes de petróleo importado dos EUA.
Por ali não há chance de explosão de plataforma ou derramamento de óleo, como ocorreu no golfo do México. Mas o petróleo extraído das areias de alcatrão canadenses representa outros desafios ambientais, como o de poças tóxicas, emissões de gases do efeito estufa e destruição das florestas boreais.
Além disso, críticos advertem que as agências reguladoras dos EUA abandonaram antigos protocolos de segurança para os dutos que levam petróleo sintético do Canadá para as refinarias nos Estados Unidos e não exigiram nenhum plano específico de emergência para um eventual vazamento.
Num mundo em que tantas nações petrolíferas são distantes, instáveis ou hostis aos EUA, a areia de alcatrão (espécie de betume) canadense tem um grande apelo político. O outro mercado canadense provavelmente seria a China. Já há planos de construir dutos de Alberta até a costa oeste canadense, onde ocorreria o embarque para a Ásia.
As areias de alcatrão estão recebendo mais atenção num momento em que o governo de Barack Obama analisa o pedido de uma empresa canadense para construir um novo duto subterrâneo de 3.200 km, de Alberta até a costa texana do golfo do México, o que aumentaria significativamente o acesso dos EUA a esse petróleo.
Ao tomar a decisão, ainda neste ano, as autoridades federais contrapõem as preocupações ambientais à necessidade de assegurar um fornecimento confiável de petróleo para ajudar a satisfazer a insaciável sede da nação.
O acidente no golfo cria mais uma camada de complexidade. As agências reguladoras e o Congresso dos EUA cogitam impor novos limites à prospecção de petróleo em alto-mar, o que aumenta a pressão para que o país dependa mais do betume canadense.
Ao mesmo tempo, a consciência política sobre os riscos cresceu. As areias de alcatrão canadenses devem se tornar neste ano a principal fonte de petróleo importado dos EUA, superando as importações de petróleo tradicional do Canadá, segundo a consultoria IHS Cambridge Energy Research Associates.
Em um novo relatório, a consultoria projeta que em 2030 até 36% do petróleo importado pelos EUA possa ser betume.
"A incerteza e a desaceleração nas autorizações para perfurações no golfo realmente salientam a importância das areias de alcatrão canadenses, que na última década deixaram de ser uma fonte energética marginal para ganhar uma importância estratégica", disse Daniel Yergin, historiador do petróleo e presidente da IHS Cera.
Do ponto de vista da oferta, o betume é muito recomendável. O Canadá tem 178 bilhões de barris de reservas comprovadas de petróleo, praticamente tudo isso nas areias de alcatrão. Só a Arábia Saudita tem reservas maiores.
Os EUA produzem cerca de 5 milhões de barris de petróleo por dia e importam outros 10 milhões. O Canadá vende cerca de 1,9 milhão de barris por dia aos EUA, cerca de metade extraída do betume.
"Se você precisa de petróleo bruto para alimentar a economia, é melhor pensar no Canadá", disse Chris Seasons, presidente da unidade canadense da Devon Energy, empresa petrolífera com sede em Oklahoma City.
A Devon já está produzindo 35 mil barris por dia a partir das areias de alcatrão na região de Conklin. A empresa espera ampliar sua produção para 200 mil barris por dia até 2020, em parte graças a um segundo projeto, com a BP. Isso seria mais ou menos equivalente às atuais vendas do Kuait para os EUA.
Para aumentar o fornecimento de betume, a TransCanada está construindo o sistema de dutos Keystone. Dois dutos já foram aprovados, e o primeiro começa a levar óleo para Illinois (EUA) em junho. Um duto muito mais longo, o Keystone XL, até o Texas, ainda está sob estudo das autoridades. Se for construído conforme a proposta, o sistema permitirá que o Canadá exporte 1,1 milhão de barris adicionais de petróleo por dia.
Extrair petróleo da areia produz muito mais gases do efeito estufa do que a perfuração, e o processo exige três litros de água para cada litro de petróleo obtido, porque a terra precisa ser lavada, dizem grupos ambientalistas. Além disso, as minas estão deixando arranhões na maior floresta intacta do mundo.
Alguns analistas argumentam que a importação de betume vai substituir o petróleo convencional de lugares como Venezuela e México, onde o petróleo pesado exige tanto refino que acaba produzindo uma quantidade comparável de gases-estufa.
Para os EUA, "no grande esquema das coisas, o real impacto para as emissões é muito pequeno", disse Michael Levi, pesquisador sênior do Council on Foreign Relations.
Mas os ambientalistas permanecem inabaláveis. Susan Casey-Lefkowitz, que trabalha com esse tema no Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, disse: "Ter areias de alcatrão na nossa matriz energética é simplesmente inconsistente com o tipo de promessas climáticas e ambientais que ouvimos o governo Obama fazer".


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