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ANÁLISE
Tchetchênia e seus vizinhos passam por retrocesso
Por ELLEN BARRY
MOSCOU - Há um ano, as autoridades russas estavam tão orgulhosas de seu sucesso
em impor ordem ao norte do Cáucaso que fizeram da Tchetchênia uma escala na
viagem do Clube Valdai de Discussão, grupo de analistas ocidentais escolhidos a
dedo e levados à Rússia todos os anos para encontros com autoridades.
Dois ônibus levaram escritores e acadêmicos para a gigantesca mesquita erguida
pelo presidente tchetcheno, Ramzan Kadyrov. Tiveram direito a uma entrevista com
o presidente e puderam caminhar pelas ruas repavimentadas e reconstruídas da
capital tchetchena, Grozni. Mesmo os os intelectuais mais céticos partiram
impressionados: parecia que a calma retornara à região, caldeirão de violência
da Rússia.
É difícil apresentar esse mesmo argumento após o verão (no hemisfério norte) de
2009. Explosões e tiroteios têm sido ocorrências diárias na região. Entre junho
e agosto, foram mortas 436 pessoas, contra 150 nos mesmos meses de 2008, e o
número de ataques subiu de 265 para 452, segundo o Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais, grupo privado de pesquisas com sede em
Washington.
Os números não captam inteiramente os fatos. Funcionários governamentais de alto
escalão foram crivados de balas de metralhadoras, alvejados por franco-
atiradores quando saíam de restaurantes ou atacados por carros carregados de
explosivos. Uma importante ativista de direitos humanos foi agarrada em frente a
seu apartamento e morta.
E, fato que encerra indícios sombrios, os atentados suicidas voltaram na
Tchetchênia, após um hiato de vários anos. "Está claro que o período de
estabilidade em Daguestão, Inguchétia e Tchetchênia chegou ao fim", disse Pavel
K. Baev, pesquisador sênior do Instituto Internacional de Pesquisas pela Paz, de
Oslo. "Mas a situação não está se espalhando. É isso que permite à liderança
russa mais ou menos guardar distância, não prestar atenção séria à situação."
Há anos, a estratégia do Kremlin no Cáucaso depende de Kadyrov, a quem Moscou
deu rédea livre para esmagar os sinais de rebelião na região. Ele próprio ex-
separatista, Kadyrov converteu seu grupo de combatentes em uma força policial
interna brutal. Organizações de defesa dos direitos humanos documentaram o uso
de tortura, intimidação e mortes extrajudiciais por seu governo, mas mesmo os
setores de esquerda reconhecem que ele foi eficiente em reprimir a violência.
Agora, a impressão que se tem é que seu controle sobre a Tchetchênia se
enfraqueceu, obrigando Moscou a escolher entre continuar com uma política
marcada por falhas profundas ou correr o risco de uma mudança de rumo.
Um ano atrás, enquanto Kadyrov pressionava por mais autonomia em relação a
Moscou, parecia que o Kremlin estava testando um estilo alternativo de liderança
na vizinha Inguchétia.
Um dos primeiros atos de Dmitri Medvedev na Presidência da Rússia foi afastar o
odiado presidente da Inguchétia e substituí-lo por Yunus-Bek Yevkurov, um antigo
oficial da inteligência militar. Yevkurov passou a trabalhar para conquistar o
apoio da população da Inguchétia, afastando autoridades acusadas de corrupção e
fazendo gestos de aproximação em relação a dissidentes e ativistas dos direitos
humanos.
Mas, então, em 22 de junho, um homem-bomba jogou seu carro contra o comboio de
Yevkurov, provocando uma explosão tão grande que o carro do presidente saiu da
estrada e se chocou contra um muro. Gravemente ferido, Yevkurov passou a maior
parte do verão se recuperando.
Com ele se foram as esperanças de que o Kremlin estivesse preparado para adotar
uma abordagem mais branda, disse Aleksei Malashenko, especialista no Cáucaso do
Centro Carnegie Moscou.
"É uma tragédia não apenas para a Inguchétia e o próprio Yevkurov, mas para todo
o Cáucaso", disse Malashenko. "Todos os que já disseram que é preciso matar,
pressionar, exterminar, e que o diálogo é inútil -todas essas pessoas se sentem
confirmadas pelo que aconteceu com Yevkurov. Isso é muito ruim."
Kadyrov atribui os ataques a extremistas islâmicos e diz que eles são
financiados e treinados por países ocidentais. Outros setores, porém, questionam
o governo de Kadyrov e apontam para problemas sociais como pobreza, desemprego e
corrupção.
Igor Yurgens, assessor próximo a Medvedev, disse que a "tchetchenização" -ou
seja, dar às autoridades tchetchenas um papel principal na repressão à
insurgência- serviu a uma finalidade essencial, mas agora está alimentando a
violência, em lugar de ter efeito preventivo.
"Existe um ódio muito grande por Kadyrov e entre os diferentes clãs, e isso se
converteu em ódio social", disse Yurgens. Os líderes da Rússia, segundo ele,
"deveriam criar um contrapeso a Kadyrov aos poucos, sem insultar o homem que
restaurou a ordem na região mas que hoje está se tornando um problema." Esse
modo de governar a região "não pode durar para sempre", concluiu.
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