São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009

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Imigrantes da terceira idade sofrem com isolamento nos EUA

Por PATRICIA LEIGH BROWN

FREMONT, Califórnia - Eles se reúnem cinco dias por semana num shopping chamado The Hub, tomando chai (chá com especiarias) que trazem em garrafas térmicas. Esses imigrantes indianos idosos são membros de um grupo formado apenas por homens, o Clube dos Cem Anos de Vida. Eles conversam sobre a criminalidade na Califórnia, sobre os voos mais baratos a Nova Déli e sobre como enfrentar noras inamistosas.
Juntos, eles procuram fugir da solidão e do isolamento que frequentemente acompanham a transferência para os EUA já na terceira idade, vindos de países distantes. "Quando não venho para cá [o shopping], meus lábios ficam selados - não tenho com quem conversar", disse o viúvo Devendra Singh, 79.
Ele e seus amigos formam um grupo que vem aumentando em número: o dos idosos, que hoje são o setor imigrante que mais cresce nos EUA. Desde 1990, o número de pessoas de mais de 65 anos nascidas fora do país subiu de 2,7 milhões para 4,3 milhões nos EUA -ou seja, cerca de 11% dos imigrantes recém-chegados.
Muitos são os pais idosos de cidadãos americanos naturalizados, que vão se juntar a suas famílias. Mas especialistas dizem que os idosos estrangeiros estão entre as pessoas mais isoladas dos EUA. Dos imigrantes mais velhos que chegaram ao país recentemente, 70% não falam inglês ou falam pouco. A maioria não sabe dirigir. Alguns estudos sugerem que a depressão e os problemas psicológicos sejam comuns entre eles, frutos da barreira linguística, da falta de vínculos sociais e de valores que em alguns casos conflitam com a cultura americana dominante, incluindo a de seus filhos assimilados.
As vidas dos idosos "transplantados" para os EUA são em grande medida não registradas, invisíveis fora de suas comunidades étnicas ou religiosas. "Eles nunca vencem concursos de ortografia", disse Judith Treas, professora de sociologia e demógrafa da Universidade da Califórnia em Irvine. "Não entram para gangues criminosas. E ninguém se preocupa com a possibilidade de americanos perderem seus empregos para avós coreanas."
Uma geração atrás, 76% da população de Fremont era de origem caucasiana. Hoje, quase metade dos moradores da cidade são asiáticos, 14% são latinos, e Fremont abriga uma das maiores comunidades de refugiados afegãos no país. Uma antiga escola de beleza virou mesquita, um cinema virou um complexo que exibe filmes de Bollywood, e uma rua foi rebatizada de Gurdwara, devido ao Templo Sikh Gurdwara Sahib.
A velocidade da transformação está levando as prefeituras de muitas cidades americanas a buscar contato com os idosos que vivem em seu meio. Em Fremont, foi criada uma unidade móvel de saúde mental para idosos que não conseguem sair de casa; a cidade recrutou voluntários para ajudar imigrantes mais velhos a transitar pela burocracia do serviço social. Em Chicago, uma rede de organizações sem fins lucrativos lançou o Projeto Depressão, rede de grupos comunitários que ajudam imigrantes idosos.
Mas os problemas dos imigrantes mais velhos às vezes passam despercebidos, justamente porque eles frequentemente não buscam ajuda. "Existe a ideia de que os problemas são muito pessoais e precisam ser tratados dentro da família", disse Gwen Yeo, codiretora do Centro de Educação Geriátrica da Universidade Stanford.
Muitos imigrantes que seguiram seus filhos para os EUA têm vidas satisfatórias, mas que nem sempre seguem conforme o previsto.
Devendra Singh cresceu numa família indiana alegre, com 14 pessoas. Em Fremont, foi viver com a família de seu filho e se dedicou a seus netos, buscando-os da escola e levando-os aos treinos de futebol. Mas, então, seu filho e sua nora decidiram "que queriam privacidade", disse ele, com tristeza na voz. A contragosto, Singh decidiu que deveria deixar a casa deles.
Então, ele alugou um quarto em uma casa, por meio de um anúncio classificado on- line. "Na Índia, há um viés favorável aos idosos", disse. "Nos EUA, as pessoas pensam no que lhes convém ou não."
A 3 km dali, a viúva afegã Zia Mustafa está sentada à mesa de sua cozinha. Seu marido e seu filho mais velho morreram na explosão de um foguete em Cabul; seu filho Waheed, 24, que vive com ela, perdeu a perna no ataque. Outros de seus filhos continuam no Afeganistão e no Paquistão. "Minha família está dividida", disse ela com a ajuda de um tradutor, chorando.
Depois de passar por uma cirurgia, Waheed Mustafa hoje vive a vida normal de um homem na casa dos 20 anos -vai à escola, fala ao celular, sai com amigos.
Sua mãe passa seus dias assistindo a telenovelas, tentando decifrar as tramas pelas expressões dos rostos dos atores. Ela dorme com as luzes acesas, com medo de que seu filho não volte para casa, mesmo entre essas paredes seguras.
"Eles vêm de um país em que é tão difícil sobreviver, mas sentem que não fizeram o suficiente", disse o psiquiatra Sudha Manjunath, que trabalha para a unidade de saúde mental de Fremont. "Se você diz a eles agora 'é hora de cuidarem de vocês mesmos', essa é uma ideia da qual nunca ouviram falar."
O ex-engenheiro indiano Kashmir Singh Shahi, 43, é voluntário no Programa Embaixador Comunitário para a Terceira Idade, no qual oferece um ouvido atento a pessoas como Hardev Singh, 76.
Instrutor de direção aposentado do Exército indiano, Singh está determinado a trabalhar em tempo integral. Ele toma dois ônibus para ocupar o turno da noite num posto de combustível. "Não quero ficar ocioso no coração", disse.
As experiências de Shahi com seus próprios pais apontaram o caminho a ser seguido com seus clientes. Shahi chegou San Francisco em 1991, para trabalhar numa firma de fibra ótica e, seis anos depois, patrocinou a vinda de seus pais aos EUA.
Depois da morte de seu pai, Shahi mudou de profissão para poder cuidar de sua mãe, que sofre de depressão. "Se estivesse na Índia, ela andaria até a quitanda, tomaria um chá na casa da vizinha e conversaria sobre coisas comuns, como o trigo e o milho", disse Shahi, falando do hábito entranhado de fazer visitas do qual muitos idosos imigrantes sentem tanta falta.
Por isso, quando chega ao fim de seu dia de trabalho dando atendimento a outros, Shahi se senta com sua mãe. Sempre pergunta se ela quer leite quente. "As coisas pequenas têm importância", disse ele, falando de sua mãe e de outros idosos que sentem saudades de casa. "[Eles querem] sentir que são bem-vindos."


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