São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009

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Kennedy foi o último rugido do liberalismo

Por SAM TANENHAUS

"Um importante capítulo da nossa história chegou ao fim", disse o presidente dos EUA, Barack Obama, sobre a morte do senador Edward Kennedy. "Nosso país perdeu um grande líder, que apanhou a tocha de seus irmãos caídos e se tornou o maior senador dos Estados Unidos no nosso tempo."
O que Obama não disse foi que o capítulo encerrado é o de uma visão do liberalismo que começou com o "New Deal" de Franklin Roosevelt (1933-45), passou pela "Grande Sociedade" de Lyndon Johnson (1963-69)e agora luta para voltar a ser relevante. Segundo ela, as forças do governo devem ser arregimentadas para a melhoria das condições do maior número possível de norte-americanos, especialmente os excluídos e desfavorecidos.
Nenhuma figura política importante do último meio século esteve tão investida dessa ideia quanto Kennedy. Ela está por trás da incrível quantidade de projetos que ele criou ou promoveu na sua longa carreira no Senado, em áreas como saúde e educação ou em prol de imigrantes e sindicatos.
A crença no governo como guardião das oportunidades não é complicada, mas está repleta de ambiguidades -inclusive os riscos implicados quando o governo fica grande e caro demais.
De fato, o auge da carreira de Kennedy no Senado coincidiu com a ascensão de uma visão oposta, resumida por Ronald Reagan (1981-89) ao dizer "o governo não é a solução do nosso problema; o governo é o problema". Muitos democratas começavam a repensar o legado do "New Deal" e da "Grande Sociedade", e Kennedy parecia em descompasso.
Suas raízes liberais eram arraigadas. Ele foi criado à sombra de Roosevelt, e sua "verdadeira bússola", para usar o título da sua autobiografia ainda não lançada, apontava decididamente para o liberalismo do "New Deal". Isso lhe garantia um amplo apelo popular. Certamente ele gostava da política no nível pessoal -misturar-se à multidão, apertar mãos.
Mas os feitos políticos de Kennedy foram ambíguos. Ele foi sempre excelente em fazer campanha pelos outros, como para Obama em 2008. Mas, em outras ocasiões, ele vacilou. Sua crítica destemperada ao juiz Robert Bork, nomeado por Reagan para a Suprema Corte dos EUA em 1987, ajudou a envenenar o tom dos debates a respeito das indicações de juízes até hoje.
Sua vocação era para a legislação, o exaustivo processo de moldar projetos e leis. A fricção entre sua percepção incerta para a política e seu domínio instintivo da governança o levou ao seu pior erro de cálculo, ao desafiar o presidente Jimmy Carter (1977-81) na sua busca pela reeleição em 1980. "Nenhuma diferença real de política separava Kennedy de Carter", notou o autor Theodore White em 1982.
Curioso com suas motivações, White o pressionou a respeito. Kennedy respondeu com "uma atordoante discussão sobre como as leis são aprovadas, como os lobistas amadores de Carter haviam bagunçado programa após programa", escreveu White.
O paradoxo foi que, ao desafiar Carter nas primárias, Kennedy o enfraqueceu na eleição geral, que deu a vitória a Reagan. Este prontamente lançou a contrarrevolução conservadora, fundada na desconfiança em relação ao governo, algo contra o que Kennedy passaria as três décadas seguintes lutando.


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