São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009

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Um mergulho abissal em busca de um fóssil vivo

Por WILLIAM J. BROAD

Há 33 anos, Peter Rona vem buscando um animal antigo e misterioso, mergulhando repetidamente a mais de 3.000 metros de profundidade, até o leito lamacento do Atlântico.
Como o Ahab de "Moby Dick", ele tem fracassado repetidamente, apesar de ter acesso aos melhores equipamentos do mundo para a exploração profunda. Mas o animal não é nenhuma baleia branca, e Rona não é um tresloucado como um capitão Ahab, e sim um oceanógrafo renomado da Universidade Rutgers, em Nova Jersey (EUA). E ele agora conseguiu criar uma marola intelectual com um novo estudo, redigido junto com uma equipe de doze colegas.
Eles reuniram provas suficientes de que sua presa científica -um organismo um pouco maior que uma ficha de pôquer- representa um dos mais antigos fósseis vivos, talvez o mais antigo. A criatura, chamada Paleodictyon nodosum e conhecida por meio de fósseis, já foi considerada extinta há cerca de 50 milhões de anos.
Uma busca tão longa não frustra Rona? "Não", respondeu ele. "Isso é ciência. É trabalho de detetive. Trata-se de acumular uma pista após outra." Mas, numa entrevista na Rutgers, ele disse que ainda almeja afinal capturar uma dessas criaturas vivas. "Acho que é provável, se conseguirmos fazer os mergulhos."
Rona, uma autoridade nas profundezas marinhas, gosta de se apertar em um pequeno submarino e cair no abismo. Leva mais de duas horas para chegar ao lar dessa criatura.
A estabilidade ambiental daquele mundo -inclusive suas pressões esmagadoras e sua gélida escuridão- faz com que alguns dos seus habitantes mais famosos tenham sobrevivido como atavismos evolutivos, cujos corpos passaram por poucas mudanças. O lírio do mar, por exemplo, é um animal marinho com braços emplumados que existe há mais de 400 milhões de anos.
Rona descobriu que o P. nodosum viceja em áreas restritas do leito atlântico. Sua única característica visível consiste em furinhos ordenados em padrões hexagonais. Ele fotografou milhares desses hexágonos e descobriu que os maiores têm 200 a 300 buracos.
Por causa da incapacidade de Rona em capturar a criatura propriamente dita, ainda há um vigoroso debate sobre o que é aquilo, embora os cientistas tenham lhe dado o nome de fóssil. A principal questão é se os padrões hexagonais são tocas ou partes do corpo, residências vazias ou restos do animal.
Outros detetives das profundezas que compartilham a fascinação de Rona com o P. nodosum podem ser encontrados na Universidade Yale e no Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Cape Cod, Massachusetts, e também na França, no Canadá e no Reino Unido.
"Ele tem o motor da curiosidade", disse Adolf Seilacher, paleontólogo de Yale e coautor do novo estudo, que foi o primeiro a contatar Rona, há três décadas, para discutir a criatura. "Os verdadeiros cientistas e naturalistas são extremamente curiosos."
Seilacher acrescentou que o P. nodosum é uma criatura excepcional especialmente porque os muitos furos na superfície do seu lar se interligam num labirinto de túneis. "Não é só um fóssil qualquer, mas uma demonstração de uma forma de vida muito complexa", disse ele. "É uma planta de construção, um comportamento que faz este animal erguer esse sistema de galerias. É um estilo de vida muitíssimo antigo."
Seilacher disse que as primeiras formas do Paleodictyon remontam à explosão da vida complexa no período Cambriano, 500 milhões de anos atrás. Os animais começaram sua existência nas águas rasas e gradualmente se expandiram para os habitats escuros do mar profundo.
Rona tropeçou no fóssil vivo em 1976. Ele e seus colegas rebocavam um gigantesco equipamento fotográfico com luzes estroboscópicas que disparavam a cada poucos segundos, iluminando o leito marinho e registrando imagens em grandes rolos de filme de 35 milímetros. Semanas depois, de volta ao seu escritório na Flórida, Rona examinou o filme recém-revelado. Sua cabeça começou a girar. O que eram todos aqueles furos? E o que estabelecia os padrões?
Em 1978, Rona e seu colega George Merrill publicaram um artigo que descartava muitas possibilidades e qualificava os animais misteriosos como "invertebrados de identidade incerta".
Rona conseguiu visitar o local repetidamente. Em um mergulho de submarino em 2003, ele e Seilacher se tornaram astros cinematográficos improváveis. Naquele ano, a Imax lançou "Volcanoes of the Deep Sea" ("Vulcões do mar profundo"), um filme para telas gigantes sobre a caçada deles.
O oceanógrafo fala com excitação sobre novos mergulhos ao mundo do Paleodictyon e também sobre a possibilidade de armar uma câmera no leito marinho para tentar flagrar o antigo sobrevivente.
"É uma janela excepcional para o passado", disse ele a respeito da criatura. "Agora precisamos resolver o mistério sobre o que ela é. Precisamos recuperar um espécime."


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