São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009

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Culpa e expiação no caminho da vida adulta

JOHN TIERNEY
ENSAIO

Eis uma experiência que ninguém vai querer fazer em casa.
Mostre um brinquedo a uma criança pequena e explique que é algo especial, que você possui desde pequeno. Peça à criança para ser "muito cuidadosa". Entregue o brinquedo, que parece em ótimo estado, mas que você secretamente preparou para quebrar assim que a criança o manipular. Quando isso acontecer, manifeste pesar dizendo suavemente "Nossa!". Então, fique parado e observe a criança.
O objetivo não é traumatizar ninguém -os autores da experiência rapidamente iniciavam um ritual de absolver a criança de qualquer culpa. Mas, antes, no primeiro minuto após a quebra do brinquedo, os psicólogos registravam todas as reações das crianças, que se contorciam, evitavam o olhar do pesquisador, encolhiam os ombros, abraçavam o próprio corpo e cobriam o rosto com as mãos.
Isso era parte de um longo estudo da Universidade de Iowa (EUA) destinado a isolar os efeitos de dois mecanismos distintos que ajudam as crianças a se tornarem adultos com consideração pelo próximo. Um dos mecanismos é o autocontrole -até que ponto você antecipa as coisas e deliberadamente suprime um comportamento impulsivo que fará mal a si ou a outrem.
O outro é menos racional e especialmente valioso para crianças e adultos com pouco autocontrole. É o sentimento mensurado na experiência do brinquedo quebrado: culpa, ou aquilo que se diagnostica como "sensação de ansiedade e angústia".
A culpa em todas as suas variedades -puritana, católica, judaica etc- costuma ser malvista, mas psicólogos continuam encontrando evidências de que ela é útil. A falta de culpa claramente tem um lado negativo, mais obviamente em sociopatas sem remorsos, mas também em crianças que batem nas outras e roubam seus brinquedos.
As crianças tipicamente começam a sentir culpa no segundo ano de vida, segundo Grazyna Kochanska, da Universidade de Iowa. O temperamento de algumas delas as torna propensas à culpa, disse Kochanska, e em alguns casos isso se acentua graças aos pais e a outras influências precoces.
"As crianças reagem com uma tensão aguda e intensa e com emoções negativas quando ficam tentadas a se comportar mal, ou mesmo quando anteveem uma violação das normas e regras", disse ela. "Elas se lembram, muitas vezes subconscientemente, de como se sentiram péssimas no passado."
Em um estudo publicado na edição de agosto do "Journal of Personality and Social Psychology", Kochanska e seus colegas notaram que as crianças de dois anos que demonstravam mais pesar no experimento do brinquedo quebrado tinham menos problemas comportamentais nos cinco anos seguintes.
Mesmo crianças com pouca culpa se comportavam bem se tinham um autocontrole elevado. "Ainda que você não tenha aquela sensação ruim de angústia, pode suprimir os impulsos", disse Kochanska.
Mas e se a criança não tem nem autocontrole nem culpa? É o caso de sentir culpa por seu papel como pai ou mãe?
Você pode se culpar, mas os pesquisadores não conseguiram estabelecer nenhuma ligação particular entre o tipo de paternidade exercida e o nível de culpa da criança, diz June Tangney, psicóloga da Universidade George Mason, da Virgínia.
Mas Tangney, que estuda a culpa em crianças e adultos, inclusive detentos, tem alguns conselhos para os pais.
"O elemento-chave é a diferença entre vergonha e culpa", diz ela. A vergonha -a sensação de ser uma pessoa ruim por causa de um mau comportamento- tem sido repetidamente vista como insalubre, diz ela, enquanto os sentimentos de culpa voltados para o comportamento em si podem ser produtivos.
Mas não basta, diz Tangney, que os pais sigam o velho preceito de criticar o pecado, não o pecador. "A maioria das crianças pequenas realmente não ouve a distinção entre 'Johnny, você vez uma coisa ruim' e 'Johnny, você é um menino ruim'", disse ela. "Elas ouvem 'menino ruim'."


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