São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Tribunais abrigam novo estágio de conflitos climáticos


Impacto do processso é comparado ao vivido pelo setor de tabaco


Por JOHN SCHWARTZ
A minúscula Kivalina, no Alasca, não tem hotel, restaurante ou cinema. Mas tem um processo judicial muito grande, que pode afetar o tratamento dado pelos países às mudanças climáticas.
Kivalina é um vilarejo esquimó de 400 pessoas situado numa ilha ao norte do Círculo Ártico. Ela está acusando duas dúzias de empresas de combustíveis e energia de contribuir para mudanças climáticas que, afirma, estão acelerando a erosão da ilha.
Antigamente, blocos de gelo marítimo protegiam a frágil costa da ilha a partir de outubro de cada ano, "mas no momento ainda não temos o gelo acumulado, e já estamos em janeiro", disse a administradora da cidade, Janet Mitchell. "Vivemos com medo constante na temporada dos ventos fortes."
A cidade quer que as empresas -entre elas ExxonMobil e Shell Oil- paguem os custos de sua transferência ao continente, que podem chegar a US$ 400 milhões.
O processo é 1 entre 3 grandes ações impetradas por grupos ambientalistas, advogados particulares e autoridades públicas nos EUA contra grandes produtores de gases-estufa. E, embora Kivalina enfrente uma batalha difícil, os processos estão ganhando impulso.
Nos últimos meses, dois tribunais federais reverteram decisões de tribunais distritais de arquivar processos por mudanças climáticas, autorizando os processos a seguir adiante. No Connecticut, advogados ambientalistas se uniram aos secretários de Justiça de oito Estados e à Prefeitura de Nova York para pedir um mandato judicial ordenando a redução das emissões de gases-estufa.
No Mississippi, donos de imóveis costeiros alegam que a emissão de gases que contribuem para as mudanças climáticas aumentou a potência do furacão Katrina, em 2005.
E, embora um juiz federal na Califórnia tenha indeferido o processo de Kivalina em outubro, o vilarejo está recorrendo da decisão.
Tracy D. Hester, que ministrou um curso sobre processos climáticos na escola de direito da Universidade de Houston, disse que, com as questões climáticas ganhando destaque nos três circuitos do sistema judicial federal, "as peças estão sendo posicionadas para uma eventual revisão pela Suprema Corte" dos EUA.
Para James E. Tierney, diretor do programa de Secretários Nacionais de Justiça da Escola de Direito Columbia, as ações nem precisam chegar tão longe para exercer um impacto. Em sua queixa, Kivalina alegou que a indústria conspirou "para suprimir a consciência do vínculo" entre emissões de gases e mudanças climáticas, por meio de "grupos de fachada, falsas organizações de cidadãos e organismos científicos falsos".
A alegação ecoa argumentos apresentados nas ações contra a indústria do tabaco, que acabaram levando o setor a fechar acordos de reparação e aumentaram a regulamentação do setor.
Se as ações por mudanças climáticas chegarem à etapa das investigações, e se a indústria energética tiver mensagens de e-mail e memorandos constrangedores, semelhantes aos que foram devastadores para as empresas de cigarros, disse Tierney, "isso será um martelo" que poderá levar as indústrias à mesa de negociações.
Os processos se baseiam, de modo geral, na tese do ato nocivo aos interesses públicos ou privados prevista no direito consuetudinário, o mesmo conceito que permite que pessoas processem seus vizinhos por barulho, odores e coisas do tipo, que constituem empecilho ao uso de seus imóveis. No contexto das mudanças climáticas, processos como esses foram no passado desprezados, vistos como de êxito altamente improvável. Em artigo publicado em 2004 na revista "Grist", Scott H. Segal, advogado de empresas energéticas, brincou, dizendo que os processos "conferiram novo significado ao termo 'ação por ato nocivo'".
Mas ninguém está rindo agora. Em relatório publicado no ano passado, a seguradora Swiss Re afirmou que a pressão dos processos por mudanças climáticas "pode se tornar uma questão importante nos próximos dois anos".
A Parceria Americana pela Justiça, grupo ligados às empresas, argumentou em relatório de 2008 que as acusações de conspiração fazem da ação movida por Kivalina "o litígio mais perigoso dos EUA". A ação pode sufocar o debate sobre questões ligadas às mudanças climáticas, disse o relatório, e aumentar "o risco de [empresas] serem citadas como rés ou coconspiradoras, sujeitando-as a inquéritos caros e invasivos".

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