São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Inteligência/Lluís Bassets

O filho pródigo da Europa tropeça

Madri
O menino prodígio virou o "Professor Ciruela". Trata-se do personagem de um conhecido provérbio espanhol, que expressa a contradição de quem quer dar lições sem saber a matéria: o Professor Ciruela não sabia ler e montou uma escola, segundo o ditado popular. Até 2007, nenhuma outra economia europeia havia crescido tanto, criado tantos postos de trabalho nem absorvido maior número de imigrantes do que a espanhola: esse é o menino prodígio.
Agora, com a crise financeira e o estouro da bolha imobiliária, não há tampouco nenhum outro país que tenha destruído mais empregos entre as grandes economias europeias. Mas, além disso, quis o acaso que em janeiro coubesse à Espanha assumir a presidência rotatória da União Europeia, num momento politicamente relevante, já que o governo que preside as reuniões semestrais dos conselhos de ministros deve determinar as prioridades que ocuparão a coordenação de políticas dos 27 sócios.
O primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, com suas péssimas cifras relativas à ocupação de mão de obra, não teve remédio senão apontar a criação de postos de trabalho como prioridade e se dispor a pedir aos países-membros a adoção de objetivos e, inclusive, exigências a respeito do seu cumprimento: aí temos o Professor Ciruela.
Quando tudo começou, em meados de 2007, Zapatero podia se gabar da economia mais dinâmica e geradora de empregos da Europa. Meses antes, a Espanha havia superado 20 milhões de pessoas ocupadas, uma cifra quase inacreditável para um país que muitos consideravam condenado a manter sua população ativa em torno de 12 milhões de indivíduos. Mais de 25% dos postos de trabalho criados recentemente em toda a Europa eram espanhóis. Era uma Espanha irreconhecível. Historicamente, esse foi um país de emigração, ou seja, que não criava suficientes postos de trabalho nem mesmo para os seus próprios filhos. Mas, nos últimos dez anos, a economia espanhola integrou 5 milhões de estrangeiros, o que significa 12% da sua população.
A maioria desses imigrantes é de oriundos de Marrocos, Peru e Equador, mas também há bolivianos, romenos, paquistaneses e cidadãos de outros países. Alguns voltaram a seus lugares de origem, mas outros ficaram na Espanha e formam parte do crescente contingente de desempregados.
Um enorme balde de água fria caiu agora sobre Zapatero, que relutou em acreditar na existência da crise e demorou demais para reagir. Nos últimos anos, os dados se inverteram: se ninguém criou mais empregos na Europa no período milagroso de 1994 a 2007, o mesmo ocorreu com a destruição de postos de trabalho nos últimos dois anos.
Quase 60% dos empregos destruídos são espanhóis. O nível de desocupação se aproxima dos 19%, cifra que revela, mais do que esconde, o peso da economia submersa, na qual são empregadas de modo informal numerosas pessoas que constam como desempregadas, e inclusive parte das que recebem subsídios. O ministro do Trabalho, Celestino Corbacho, reconheceu que a economia submersa pode alcançar 20% do PIB, estimativa oficiosa que dá plausibilidade aos que situam a cifra em torno de 25%.
Um hacker invadiu em janeiro o site oficial da presidência espanhola da União Europeia e substituiu o rosto de Zapatero pelo do ator britânico Rowan Atkinson no papel de Mister Bean. A estupefação e a incapacidade de Zapatero para abordar com credibilidade europeia a crise encontraram assim sua imagem, que foi aproveitada não só pela imprensa nacional como também, o que é pior para o primeiro-ministro, por prestigiosos veículos anglo-saxões.
Expor-se na vitrine da moda internacional tem suas desvantagens: a Espanha, adulada por sua democracia recuperada e por seus brilhantes desportistas, cineastas e cozinheiros, descobre agora que os mais exaltados lhe apedrejam as janelas.


Lluís Bassets é editor de opinião do jornal "El País", em Madri.
Envie comentários para intelligence@nytimes.com




Texto Anterior: Países dão impulso às bicicletas
Próximo Texto: Caos no Daguestão inquieta Moscou
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.