São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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Caos no Daguestão inquieta Moscou


Política de república turbulenta é um complicado labirinto


Por ELLEN BARRY
MAKHACHKALA, Rússia - Num dia recente na capital do Daguestão, república do sul da Rússia, o vento espalhava o lixo em todas as direções, e dezenas de milhares de cidadãos ficaram sem aquecimento, eletricidade ou água.
A polícia de trânsito, temendo outro atentado suicida, isolou o bairro antes da sua habitual revista às tropas. O vice-presidente do Parlamento local escapou por pouco dos disparos de uma arma automática feitos de um carro que passava.
Em outras palavras, nada fora do comum.
Há uma crescente pressão no Daguestão, onde guerras entre clãs se misturam ao fundamentalismo islâmico e a uma profunda sensação de alienação da opinião pública. Todas essas ameaças pesam na questão que o Kremlin terá de responder nos próximos dias: quem, no labirinto da política daguestanesa, promoverá a paz se for nomeado presidente?
Há dez anos, Vladimir Putin, então presidente da Rússia, consolidou seu domínio da política nacional ao demonstrar que poderia controlar o Cáucaso. O mecanismo era a força; depois de uma segunda guerra contra os separatistas tchetchenos, ele instalou um homem forte, Ramzan Kadirov, como presidente, a quem concedeu o poder de esmagar a oposição interna. Mas, após um ano de elevação da violência na região, ficou claro que o controle de Moscou é mais tênue do que parecia.
Em nenhum lugar isso é mais óbvio do que no Daguestão, onde os militantes ampliaram seus ataques enquanto agrupamentos de clãs disputam, às vezes de forma homicida, os recursos da república.
"Com a Tchetchênia, a principal dor de cabeça é um líder forte que não é controlável, mas pelo menos está no comando", afirmou Pavel Baev, pesquisador sênior do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz, de Oslo. "No Daguestão, o problema é que há uma perda de controle que está avançando para uma violência de outro tipo, que é cada vez mais forte e temperada com fundamentalismo islâmico."
"Não há outro tipo de ordem", disse Baev. "Só os fundamentalistas podem se apresentar como homens honestos."
O Daguestão, uma das regiões mais subsidiadas da Rússia, deveria ser capaz de se manter. Tem reservas de petróleo e gás, como o vizinho Azerbaijão, além da pesca e de vinhedos, outrora lucrativos. Seu litoral arenoso de 400 km no mar Cáspio deveria gerar dinheiro em um colosso ávido por praias como a Rússia.
Mas as praias em torno de Makhachkala, cidade de 466 mil habitantes, servem de lição sobre o que deu errado. Magnatas retalharam grande parte da costa para construir mansões, e os moradores se queixam de que as praias que permaneceram públicas são sujas e descuidadas.
Quanto aos turistas, o prefeito de Makhachkala, Said Amirov -que está numa cadeira de rodas por causa de um atentado-, coloca dessa forma: "Não se pode desenvolver o turismo quando você tem um assassinato a cada dia".
Sempre existiu uma disputa de poder no Daguestão, onde há mais de 30 etnias, mas com o colapso soviético a coisa ficou violenta.
Cabe ao presidente russo, Dmitri Medvedev, tentar acalmar os ânimos. O primeiro mandato do presidente daguestanês, Mukhu Aliev, termina no próximo dia 20. Na época da sua nomeação, Aliev despertou grandes esperanças numa população furiosa com a corrupção. Figura tradicional do Partido Comunista, ele era conhecido por sua resoluta recusa em receber subornos e por viver em um modesto apartamento de três quartos.
Mas, quatro anos depois, críticos de Aliev dizem que ele tem sido fraco demais para controlar as facções abaixo dele. Está claro que a calma do começo do seu mandato acabou. Em 2009, 300 pessoas morreram em ataques violentos no Daguestão -mais do que nas repúblicas da Tchetchênia ou da Inguchétia-, e o número de atentados mais do que dobrou em relação a 2008, segundo dados compilados pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
"Todo o mundo entende que o tempo dele está acabando", disse Marko Chakhbanov, editor-chefe do jornal "Novoie Delo", crítico ao governo Aliev. "Ele é uma boa pessoa, mas [ser] boa pessoa não é profissão."
Medvedev pode reconduzir Aliev, 69, ou escolher um novo rosto, como Magomed Abdullaiev, 48, vice-premiê que, a exemplo de Medvedev, estudou e foi conferencista no Departamento de Direito da Universidade de São Petersburgo. A incerteza sobre o assunto domina Makhachkala desde meados de novembro, e alguns afirmam que isso alimentou o pico de violência em dezembro e janeiro.
Para Baev, Medvedev "está tomando decisões a respeito de vários governadores, mas esta é uma das mais complicadas de todas". "Em Moscou, eles não conseguem prestar muita atenção ao fato de que isso está desestabilizando, erodindo, piorando. Eles não sabem o que fazer."


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