São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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Egito nega evidências de violência sectária

Por MICHAEL SLACKMAN
NAG HAMMADI, Egito - Agentes com uniformes pretos e armas automáticas montavam guarda na entrada da pequena cidade de Nag Hammadi. Veículos militares estavam estacionados ao longo da rua principal.
Policiais locais e da polícia secreta patrulhavam praticamente cada quarteirão, a pé ou em vans.
As pessoas estavam assustadas, e a polícia, irascível. "Queremos que vocês saiam; vocês precisam ter permissão especial para estar aqui", dizia o general Mahmoud Gohar, chefe da segurança regional, batendo palmas e exigindo que os jornalistas deixassem imediatamente a cidade.
Há pouco mais de um mês, no dia em que os cristãos coptas celebram a véspera do Natal, um muçulmano abriu fogo contra fiéis que saíam da igreja, matando sete pessoas e ferindo outras dez. Foi o início da pior onda de violência sectária entre muçulmanos e cristãos no Egito em muitos anos. Nos dias seguintes, houve distúrbios e confrontos. Lojas foram destruídas. Casas foram queimadas.
O governo reagiu enviando policiais fortemente armados, barrando a imprensa e insistindo em que o ataque de 6 de janeiro foi uma retaliação por um estupro.
"Há indícios iniciais conectando esse incidente às consequências de acusar um jovem cristão de estuprar uma menina muçulmana em uma das aldeias locais", disse o Ministério do Interior depois do ataque.
O que o governo não admitiu foi o óbvio: o Egito havia experimentado um dos piores surtos de violência sectária em vários anos. Em vez disso, as autoridades declararam que as menções a um conflito sectário equivaliam a uma forma de motim.
Mas as evidências, fornecidas pelos jornais, eram irrefutáveis: 14 muçulmanos e 28 cristãos presos; lojas de cristãos e lares muçulmanos incendiados.
"Estamos agora enfrentando uma rua e uma sociedade sectárias", escreveu o analista político Amr el Shoubky num artigo intitulado "O Novo sectarismo: a alienação dos cristãos", publicado no jornal "Al Masry al Youm".
O Egito experimentou ao longo dos anos muitos confrontos entre a maioria islâmica e a minoria cristã e sempre insistiu em que os conflitos eram provocados por alguma outra coisa -qualquer coisa. Uma disputa fundiária, um ressentimento pessoal, um crime com fins materiais. A narrativa oficial é de que são crimes singulares, sem relação entre si.
É o caso desde os disparos em Nag Hammadi. Três pessoas foram detidas pelo ataque, que matou seis cristãos que saíam da igreja e um guarda muçulmano.
"O crime de Nag Hammadi é apenas um crime individual sem motivos religiosos, assim como o crime de estuprar a menina", disse Ahmed Fathi Sorour, presidente do Parlamento, ao jornal estatal "Al Ahram".
Mas moradores, comentaristas e parlamentares, tanto cristãos quanto muçulmanos, dizem que a visão estreita do governo sobre os disparos ignora uma tensão subjacente que está agitando a sociedade em todo o Egito, onde se estima que 10% dos cerca de 80 milhões de habitantes sejam cristãos. Não importa qual fosse a motivação do atirador, o ataque e os subsequentes confrontos e distúrbios salientaram a divisão religiosa.
No dia a dia, as divisões seculares podem ser sutis. Os bairros são integrados, mas as vidas privadas são segregadas. A tensão cresce quando rapazes falam de vídeos de celular mostrando meninas muçulmanas com meninos cristãos, ou pais cristãos se queixam de que seus filhos são obrigados a estudar o Corão em escolas públicas.
"Somos separados", disse o cristão Essam Atef, 32, administrador de uma empresa farmacêutica. "Se há um casamento, você oferece os cumprimentos, e se há alguém doente você pode visitar, mas estamos ambos [cristãos e muçulmanos] cada um por si."


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