São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

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Caça oficial a feiticeiros provoca medo em Gâmbia

Por ADAM NOSSITER

JAMBUR, Gâmbia — O 1,7 milhão de habitantes de Gâmbia, na África Ocidental, se acostumaram com os feitos imprevisíveis de seu governante absoluto, que insiste em ser chamado de Sua Excelência Presidente Professor Dr. Al-Haji Yahya Jammeh: sua cura para a Aids com ervas e banana, sua ameaça de decapitar os gays e seu retrato exposto ao longo das ruas. Para não falar nos desaparecimentos, nas torturas e nas prisões de jornalistas e adversários políticos.
Mas então veio uma campanha tão estranha que os cidadãos ainda estão atordoados e enojados, literalmente.
Ao que parece, o presidente estava preocupado com os feiticeiros nesse país de mangueiras e um litoral atlântico frequentado por turistas europeus, cuja maioria desconhece as atividades do Presídio Central Estatal Milha 2, para onde são levados opositores do regime.
Sob o acompanhamento de tambores, e dirigidos por homens de túnicas vermelhas, dezenas de gambianos foram retirados de suas aldeias e levados de ônibus para lugares secretos. Eles foram obrigados a beber um preparado malcheiroso que lhes causou alucinações, graves dores de estômago, levou alguns a tentar cavar um buraco em um piso de lajotas, fez outros tentarem subir pela parede e em alguns casos os matou, segundo os aldeões e a Anistia Internacional.
O objetivo era descobrir os feiticeiros, bruxos malignos que estariam prejudicando o país, é a explicação oficial. Aterrorizadas, dezenas de pessoas fugiram para o mato ou cruzaram a fronteira para o Senegal, segundo os habitantes. A Anistia estima que pelo menos seis pessoas morreram depois de serem obrigadas a beber o líquido, cuja composição é desconhecida.
As batidas ocorreram de janeiro a março, segundo os moradores. Mas até nas últimas semanas os mesmos homens de vermelho, acompanhados de supostos agentes do governo, circularam pelo interior pobre do país pedindo aos aldeões pequenos sacrifícios para eliminar a bruxaria.
Autoridades do governo não responderam a mensagens eletrônicas e a telefonemas. A Anistia Internacional diz que recebeu um comunicado do ministro da Justiça do país declarando que a caça às bruxas é “inconcebível”. Mas as testemunhas são numerosas.
Dembo Jariatou Bojang disse que foi levado de ônibus, com outras 60 pessoas, para um lugar que não reconheceram, onde foram obrigados a beber e se banhar no líquido fétido. “Minha cabeça ainda dói às vezes”, disse ele.
Mesmo no contexto muitas vezes brutal dessa ditadura de 15 anos, essas batidas se destacam, dizem os poucos críticos declarados do presidente de Gâmbia. Desta vez os escolhidos não foram jornalistas críticos ou adversários políticos.
“As pessoas não têm mais a proteção das leis”, disse o oposicionista Halifah Sallah, que foi líder da minoria no Parlamento de 2002 a 2007. “Há uma sensação de que, se isso pode acontecer, tudo pode.”


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