São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sob sítio, Gaza vive do contrabando

Por ETHAN BRONNER

GAZA — Dezenas de famílias ainda vivem em tendas em meio a prédios destruídos e canos enferrujados. Com a proibição da entrada de materiais de construção, alguns poucos constroem casas com tijolos de barro. Tudo, inclusive comida e remédios, precisa ser contrabandeado pelos túneis sob a desértica fronteira com o Egito. Entre os itens procurados está um analgésico que combate a depressão, mas causa dependência.
Quatro meses depois de Israel travar uma ofensiva para impedir o Hamas de disparar foguetes, e dois anos depois de o Hamas assumir o controle total dessa faixa litorânea, Gaza é como uma ilha à deriva. Espremidos por fora pelo boicote israelense e egípcio, e por dentro por seus governantes islâmicos, os 1,5 milhão de habitantes estão isolados de qualquer produtividade ou esperança. “Logo depois da guerra, todo o mundo veio —jornalistas, governos estrangeiros e entidades beneficentes prometendo ajudar”, disse o desempregado Hachem Dardona, 47. “Agora, ninguém vem.”
Mas, com o governo americano de Barack Obama pressionando Israel a permitir a entrada de materiais de construção, e com as atenções cada vez mais voltadas para as divisões internas palestinas, Gaza em breve voltará ao centro das negociações de paz do Oriente Médio. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, reuniu-se em maio em Washington com Obama.
Para muitos israelenses, Gaza é um símbolo de tudo o que há de errado na soberania palestina, cada vez mais vista por eles como uma oportunidade para que forças antiisraelenses, notavelmente o Irã, ponham Israel ao alcance dos seus foguetes. Isso deixa Gaza suspensa em um estado de miséria que desafia uma categorização fácil.
A região é, sim, populosa e pobre, mas está melhor do que quase toda a África e também partes da Ásia. Não há desnutrição aguda, e as taxas de mortalidade infantil são comparáveis às de Egito e Jordânia, segundo Mahmoud Daher, funcionário local da Organização Mundial da Saúde.
Isso porque, embora Israel e Egito tenham fechado suas fronteiras há três anos para pressionar o Hamas, Israel raciona a ajuda diariamente, permitindo o acesso de cem caminhões com alimentos e remédios. Militares em Tel Aviv contam as calorias para evitar um desastre. E a agência da ONU para os refugiados palestinos mantém escolas e clínicas limpas e eficientes.
Mas há muitos níveis de privação antes da catástrofe, a maioria deles presente em Gaza. Sua economia se restringe a agricultura e comércio básicos. A educação declinou terrivelmente; a saúde pública está piorando.
Há dezenas de milhares de pessoas ambiciosas e bem formadas —professores, engenheiros, tradutores, administradores— que não têm nada a fazer senão frustrar-se cada vez mais. Nem podem exercer sua profissão nem podem ir embora. Recolhem seus benefícios sociais e fumam nos bares. Uma pesquisa da ONU aponta uma onda de violência doméstica.
Algumas pessoas dizem que começaram a tomar Tramal, nome comercial de um analgésico opioide que aumenta a libido e a sensação de controle. O Hamas recentemente alertou que irá prender traficantes e consumidores.
Mas os comprimidos continuam chegando, junto com roupas, móveis e cigarros, por meio de centenas de túneis cavados no deserto, na localidade fronteiriça de Rafah, por empreendedores que pagam às autoridades do Hamas um imposto sobre os produtos.
Israel começou o cerco depois que o Hamas venceu as eleições legislativas palestinas de 2006. Reforçou-o depois que o Hamas expulsou a Autoridade Nacional Palestina de Gaza, em junho de 2007. O apoio iraniano ao Hamas ampliou a convicção israelense de que o cerco é o caminho correto.
“O Hamas está aprendendo com seus erros e ficando cada vez mais forte”, disse o influente advogado Charhabeel al Zaeem. Ele e outros têm pedido a autoridades internacionais que levem materiais de construção e outros produtos pelos acessos fronteiriços que estão fechados. Argumentam que o atual sistema só serve ao Hamas.
“As pessoas de Gaza estão deprimidas, e pessoas deprimidas se voltam para o mito e a fantasia, o que significa religião e drogas”, disse o empreiteiro Jaudat Khoudari. “Esta espécie de prisão alimenta o extremismo. Deixem as pessoas olharem para fora para verem uma visão diferente da realidade.”
Há uma especial preocupação com os jovens. Num programa destinado a ajudar pessoas traumatizadas pela guerra de janeiro, adolescentes recebem canetas coloridas para desenharem o que quiserem, conta a universitária Farah Abu Qasem, 20, voluntária do programa. “Parece que eles escolhem só usar o preto e desenhar coisas como tanques. E quando pedimos que desenhem algo que represente o futuro, deixam a folha em branco.”


Texto Anterior: Caça oficial a feiticeiros provoca medo em Gâmbia
Próximo Texto: Dinheiro & Negócios
China quer limitar petróleo importado

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.