São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

ANÁLISE

Tarefa para Obama: definir o que é terror

Fred R. Conrad/"The Nwe York Times"
Enquanto se discute se o terrorismo é guerra ou ação criminosa, é incerto o futuro do presídio na base americana de Guantánamo

Por JONATHAN MAHLER

WASHINGTON - Um avião militar fretado decolou de Guantánamo, Cuba, em 25 de novembro, com destino a Sanaa, Iêmen, levando o ex-motorista de Osama bin Laden, Salim Hamdan. Antes exposto pelo governo de George W. Bush como exemplo na guerra contra o terror, Hamdan vai passar menos de um mês numa prisão iemenita antes de retornar para sua família em Sanaa, tendo sido absolvido por um júri de oficiais militares dos EUA da acusação mais grave que pesava sobre ele, a de conspiração para apoiar o terrorismo.
A virada na situação de Hamdan chama a atenção para o desafio central que o presidente eleito Barack Obama enfrentará quando definir sua abordagem ao combate ao terrorismo -e o imperativo de que adote um plano novo e híbrido, que reúna elementos da Justiça militar tradicional em conflitos e da Justiça criminal.
Boa parte da discussão sobre como combater o terrorismo tem girado em torno de dois paradigmas conflitantes: o terrorismo é guerra ou é ação criminosa? O caso de Hamdan destaca as limitações de tal pensamento binário. Como o veredicto deixou claro, ele não era um conspirador criminoso no sentido clássico do termo. No entanto, tendo sido assessor do terrorista mais perigoso do mundo, tampouco era um prisioneiro de guerra convencional que tivesse simplesmente sido capturado em flagrante quando defendia seu país e que, portanto, era essencialmente livre de culpa.
Como, então, os americanos devem encarar Hamdan? Como devem encarar a luta contra o terrorismo?
Os problemas do paradigma da guerra já se tornaram familiares. Como a guerra contra o terror é diferente de qualquer outra que os Estados Unidos já travaram, os mecanismos e políticas tradicionais de tempos de guerra não têm sido adequados; em alguns casos, chegaram a solapar os esforços para derrotar o terrorismo. O tratamento tradicional dado a combatentes capturados -mantê-los presos até o fim das hostilidades- torna-se inviável em uma guerra que pode arrastar-se por gerações.
Se tratamos a luta contra o terrorismo como guerra, fica difícil derrotar o argumento de que é uma guerra sem fronteiras; um terrorista pode estar escondido em qualquer lugar. No entanto, ao arrogar-se o direito de prender suspeitos de terrorismo em outros países soberanos e deter e interrogá-los por tempo indeterminado sem audiências judiciais ou julgamentos, o governo atual complicou seus esforços para montar uma coalizão internacional contra o terrorismo.
"A guerra contra o paradigma da Al Qaeda nos colocou numa posição em que a autoridade legal de que dispúnhamos para prender e interrogar não eram correspondentes às de nossas aliados. Por isso, acabamos por construir um sistema que com freqüência é rejeitado até mesmo pelos aliados mais próximos dos EUA, que o vêem como estrategicamente equivocado e legalmente suspeito", diz Matthew Waxman, professor de direito da Universidade Columbia, em Nova York, que trabalhou com o governo Bush em questões ligadas ao detentos de Guantánamo.
Mas talvez a mais problemática conseqüência do paradigma da guerra seja o fato de ter conferido ao presidente, como comandante-em-chefe, poderes enormes para determinar como deter e interrogar combatentes capturados. Foi o uso, ou o abuso, desses poderes que levou o governo Bush a sofrer uma série de reprimendas históricas da Suprema Corte, começando em 2004, quando os juízes, no processo Rasul versus Bush, decidiram que o presidente teria que permitir que os detentos em Guantánamo tivessem acesso a algum grau de justiça nos tribunais.
Alguns críticos de Bush agora estão exortando o presidente eleito Obama a abandonar o paradigma da guerra em favor de uma abordagem baseada exclusivamente na Justiça criminal -ou seja, os combatentes capturados ou seriam levados a julgamento criminal ou seriam libertados. É quase certo que isso não aconteça. Abrir mão do paradigma militar por completo limitaria gravemente a capacidade de Obama de combater o terrorismo.
"Se a questão for toda remetida ao aparato de Justiça criminal, isso paralisará a capacidade do Executivo de ir atrás dos terroristas ali onde acredita que eles estejam", diz Benjamin Wittes, do Instituto Brookings, que faz pesquisas independentes. "Quando as pessoas falam em retornar ao sistema de justiça criminal, elas ignoram os limites geográficos desse sistema."
A luta contra o terrorismo precisará ter, até certo ponto, um formato híbrido. Essa é uma idéia inovadora, já que a Constituição dos Estados Unidos prevê apenas duas opções distintas: ou o país está em guerra ou não está.
Tem se falado em criar, dentro do Judiciário federal, uma corte de segurança nacional que, presumivelmente, proporcionaria mais flexibilidade em questões como, por exemplo, os critérios exigidos em relação a provas recolhidas num campo de batalha afegão. De maneira semelhante, pode ser necessário fixar diretrizes legais claras em relação a quando o governo pode prender combatentes inimigos e até onde os agentes da CIA podem ir quando interrogam suspeitos de terrorismo.
Uma abordagem desse tipo pode aumentar o poder de um presidente. "Precisamos de um presidente forte para combater esta guerra", diz Jack Goldsmith, professor de direito em Harvard que trabalhou no Departamento de Justiça de Bush, "e, para assegurar que haja um presidente forte, é preciso que as outras instituições o apóiem nas ações que ele considera ser necessárias".


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