São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2008

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Cafés franceses estão ameaçados de extinção


Os franceses estão “comendo e bebendo como anglo-saxões”


Por STEVEN ERLANGER

SAULIEU, França - Nathalie Guérin, 35, abriu o bar e café Le Festi’Val em Saulieu há dois anos, cheia de esperanças, depois de trabalhar no Café du Nord, principal concorrente de seu estabelecimento nesta pequena cidade da Borgonha. No verão europeu deste ano, porém, os negócios enfraqueceram e, em outubro, disse ela, entraram em “queda livre”.
“Agora não vem mais ninguém”, lamentou Guérin, em pé no ambiente tristonho de seu café, acompanhada apenas de algumas decorações natalinas, uma mesa de sinuca ociosa e um jovem jogando videogame sozinho. “As pessoas temem o futuro. Agora, com a crise dos bancos, estão com ainda mais medo”, disse ela, quase às lágrimas. “Elas compram uma garrafa de bebida no supermercado e a tomam em casa.”
A difícil situação de Guérin se repete em toda a França, com cafés e bares tradicionais passando por dificuldades ou sendo fechados, prejudicados pela mudança de hábitos e atitudes e, agora, pelo clima econômico negativo. Em 1960, a França tinha 200 mil cafés, disse Bernard Quartier, presidente da Federação Nacional de Cafés, Brasseries e Discotecas. Agora há menos de 41,5 mil no país. E dois cafés, em média, são fechados todos os dias na França.
O número de pedidos de falência abertos por cafés nos seis primeiros meses de 2008 subiu 56% em relação ao mesmo período de um ano atrás, revelou um estudo da seguradora de crédito Euler Hermes SFAC. Não há cifras confiáveis relativas à última parte deste ano, quando o desaquecimento econômico na França foi intensificado pela crise econômica geral, a queda na confiança dos consumidores e o arrocho acelerado do crédito.
Mas a impressão que se tem é que os negócios vão de mal a pior, com pessoas e empresas reduzindo seus gastos supérfluos e orçamentos de lazer. E tudo isso apenas agrava problemas de mais longo prazo decorrentes de mudanças no modo de vida da população e preocupações crescentes com a saúde.
Não apenas os franceses andam gastando menos e bebendo menos, reduzindo a intensidade e qualidade de seus bate-papos em cafés, como em 1° de janeiro deste ano, após muita hesitação e reclamação, a França estendeu a proibição do cigarro a bares, cafés e restaurantes.
Marco Mayeux, 42 anos, é barman do Le Relais, um café no 18° Arrondissement parisiense. Ele contou que a proibição do fumo reduziu em 20% a freqüência do café e bar. “Um estabelecimento como o meu não agrada a todos; é freqüentado sobretudo por trabalhadores”, disse ele. “Hoje o clima é de tomar café no balcão, algo que já deixou de atrair.”
Antes da proibição, os clientes entravam num café, pediam um café, fumavam um cigarro e então tomavam outro café. Mas agora eles saem para fumar e muitas vezes não voltam, disseram muitos proprietários de cafés.
Gérard Renaud, 57 anos, dono do Restaurant de L’Église, em Marsannay-la-Côte, disse que o movimento em seu restaurante caiu pelo menos 30%. “Hoje em dia as pessoas vêm para tomar um café ou um aperitivo e só. Estamos acostumados a ter a casa cheia. Agora nos sentimos ociosos, e isso é deprimente”, disse ele.
Guérin está tentando vender seu café, mas não tem encontrado muitos interessados nesta linda cidadezinha de 3.000 habitantes, muito visitada por turistas.
Jean-Louis Humbert é o diretor distrital da Federação de Cafés, Brasseries e Discotecas. Ele não mede as palavras ao falar das chances de Guérin: “Está tudo acabado para ela”, disse ele. “Ninguém quer comprar o café. Os bancos não querem mais emprestar dinheiro a ela. O café vai acabar sendo liqüidado.”
Em Paris, Bernard Picolet, 60, é proprietário do Aux Amis du Beaujolais, fundado por sua família em 1921 na Rue de Berri. “O modo de vida mudou”, disse ele. “Os franceses não comem e bebem mais como franceses. Estão comendo e bebendo como os anglo-saxões” —britânicos e americanos. “Eles comem menos e passam menos tempo comendo”, disse Picolet.


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