São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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análise

Reinvenção ou recuperação?

Por DAVID E. SANGER
Washington


Enquanto o presidente dos EUA, Barack Obama, e o Congresso caminham em direção ao mais novo programa de emergência para ressuscitar a economia americana, paira uma questão sobre sua busca por uma cura: o governo é capaz de criar um estímulo econômico rápido e eficiente e, ao mesmo tempo, aproveitar o momento para reformar os EUA?
Por enquanto, Obama insiste em que pode alcançar os dois objetivos, seguindo seu mantra de aproveitar a urgência da crise para realizar grandes reformas há muito adiadas que nunca conseguiram votos suficientes em tempos normais.
Diversas vezes na história americana momentos como este foram usados para grandes programas, desde a integração das Forças Armadas à criação da Previdência Social e, mais tarde, a assistência médica (Medicare). Por isso não é de admirar que todo mundo que tem um grande projeto transformador empacado -programas de energia verde, redes de banda larga que alcançam o interior do país, seguro-saúde para recém-desempregados ou sem seguro -está citando o precedente de Franklin Roosevelt (1933-1945) e declarando que um novo New Deal é necessário.
Mas a questão que o Senado começou a discutir é se essas grandes ambições estão impedindo a retirada do país da espiral descendente.
Por isso, para cada comparação deste momento com os primeiros cem dias de Roosevelt há advertências de que a maior parte de sua experimentação social não teve grande impacto na recuperação econômica dos Estados Unidos, que demorou anos.
"Quando você está preenchendo um buraco tão grande e aumentando tanto a dívida americana, é preciso garantir que cada dólar seja dirigido para o reforço econômico necessário", disse Martin Feldstein, economista de Harvard que advertiu, há mais de um ano, que a economia dos EUA estava a perigo.
Feldstein forneceu os argumentos econômicos por trás das objeções republicanas de que Obama está começando uma expansão do governo em longo prazo, após décadas em que os EUA dependeram das soluções do mercado e incentivaram o mundo a fazer o mesmo.
O plano de estímulo econômico e o socorro aos bancos rapidamente se fundiram em um amargo choque político e ideológico, com apenas três semanas do governo Obama. Parte do que está acontecendo poderia ser chamado de um caso clássico de demanda reprimida -a demanda dos democratas pelo tipo de programa que eles não conseguiram aprovar durante a era Bush.
Depois de anos batalhando com uma Casa Branca que questionava a ciência por trás do aquecimento global, os legisladores democratas veem a oportunidade de lançar programas voltados à proteção ambiental, usando justificativas econômicas para iniciativas como o desenvolvimento de carros de baixa emissão de carbono. E, com um democrata na Casa Branca, eles também veem abertura para reivindicar maiores gastos na educação.
Os esforços são alimentados por uma base progressista que apoiou a promessa de Obama de enfrentar as grandes questões. Essa mesma base teme que a longa e penosa marcha que se descortina obrigue ao adiamento ou à desistência dessas ambições.
Em consequência, há US$ 54 bilhões no projeto de lei da Câmara para novas formas de "energia americana", uma expressão com um ar nacionalista, juntamente com uma série de requisitos do plano "Buy American" (compre americano), de legalidade dúbia sob os tratados comerciais; US$ 141 bilhões para educação; US$ 24 bilhões para reduzir os custos da saúde pública; e US$ 6 bilhões para o serviço de banda larga.
Uma lei de "emergência" que implementava gastos para conter o aumento do desemprego está se transformando em uma série de compromissos de longo prazo, que com certeza aumentarão enormemente a dívida nacional e a continuarão aumentando muito depois que o "pânico de 2008" e a recessão que ele provocou tenham passado à história.
Na reação republicana ao discurso de Obama, o senador Mitch McConnell, do Kentucky, argumentou que "os gastos permanentes seriam expandidos para cerca de US$ 240 bilhões" na Câmara, o que "obrigaria a déficits cada vez maiores todos os anos".
Alice Rivlin, economista do Instituto Brookings e ex-membro do Fed (Banco Central dos EUA), aprova um grande pacote de estímulo. "Como estamos fazendo isso fora do Orçamento, significa que ninguém precisa falar sobre quais poderão ser suas consequências em longo prazo", disse. Ela depôs recentemente no Congresso sobre a necessidade de separar o estímulo econômico em curto prazo de uma agenda mais ampla -que abrange de tudo, desde a reforma das escolas a melhorar a assistência médica de crianças.
"Parecemos estar contando com os chineses para continuar investindo e pagar por isso", disse Rivlin, referindo-se à enorme quantidade de dívida do governo americano detida pela China, "e estamos supondo que o resto do mundo não vá perder a confiança quando usarmos este momento para gastar em uma série de programas. E eu não tenho certeza se essa é a suposição certa".
Rivlin levanta a que poderá ser a questão mais urgente de todas dentro de alguns meses.
Quando Roosevelt conduziu os EUA por novas estradas, ele as financiou no próprio país. Obama não tem esse luxo: precisa convencer não apenas o Congresso e a população dos EUA, mas também os mercados financeiros mundiais, que devem decidir se desejam financiar seu plano e a qual taxa de juros.
Esse é o jogo de xadrez tridimensional que o governo deve jogar enquanto tenta montar o maior plano de resgate econômico em mais de 70 anos.


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