São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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Doentes, mas dispostos a testar seus limites

por BETHANY LYTTLE

O diabetes tipo 1 de David Shack esteve tão descontrolado durante tantos anos que ele já tinha tido mais de cem convulsões. Houve uma ocasião em que a polícia rodoviária o parou porque ele estava dirigindo erraticamente.
"Meus olhos não estavam funcionando bem, e o nível de açúcar no meu sangue estava tão baixo que os policiais acharam que eu estava embriagado", contou Shack, 31, professor de ciências e pai de três filhos que vive na Carolina do Norte.
Então ele resolveu participar de um triatlo.
Como Shack tinha passado longos períodos evitando se tratar e gostava de comer pele de frango e bifes gordurosos, ele era um candidato improvável à participação nessa prova.
Shack foi recrutado para participar do Ford Ironman Wisconsin 2008 por John Moore, 31, outro portador de diabetes tipo 1. Os participantes da prova teriam que nadar 3,8 quilômetros, percorrer 180 quilômetros de bicicleta e correr 42 quilômetros. Mas, disse Shack, "a própria maluquice da ideia me atraiu".
Ele completou a corrida em cerca de 16 horas. "Fui o último a atravessar a linha de chegada", contou.
Confrontadas com uma doença crônica ou um diagnóstico terminal, algumas pessoas iniciam regimes de treinamento que seriam difíceis até para as pessoas mais saudáveis. E o resultado é uma equação fascinante, embora incongruente: pessoas que combatem doenças mas, ao mesmo tempo, se encontram na melhor forma física de suas vidas.
"Não sempre é tão simples quanto algum mergulho de cabeça na negação ou um desejo de controle supremo", explicou a psiquiatra Gail Saltz, do Hospital Presbiteriano de Nova York/Centro Médico Weill Cornell. "Pessoas que encararam de perto sua própria mortalidade às vezes manifestam uma reação próxima à ansiedade da separação. Separação esta que, no caso delas, é da própria vida."
Algumas delas podem se exigir demais, enquanto outras podem depositar confiança excessiva na condição física que descobrem possuir, acreditando que poderão derrotar a doença simplesmente por meio do esforço físico. Mas, segundo especialistas, a atitude é uma maneira de ser dono de seu corpo, em vez de rejeitá-lo. E isso pode ser uma maneira poderosa de enfrentar o problema.
Kim Klein, estudante de direito em Chicago, viveu algo desse tipo. Até 2007, ela passara a maior parte de seus 41 anos de vida evitando os exercícios físicos.
"Eu sempre pretendia entrar para uma academia, mas nunca o fazia", disse ela. E odiava correr. Até que ela teve câncer de mama. Mãe de três filhos, Klein decidiu treinar para participar de uma corrida de cinco quilômetros. "Algo mudou em mim", contou. "Queria desesperadamente voltar a sentir meu corpo. Precisava saber que ele ainda estava lá."
Em abril passado, ela concluiu a corrida -e acabou concluindo outras quatro depois. "Não há dúvida de que estou correndo do câncer, literalmente", disse. "A cada passo, sinto que estou me distanciando dele -talvez impedindo-o de voltar." Para algumas pessoas, porém, a constatação de que não conseguem fugir de uma doença pode ser devastadora. Richard Brodsky, 56, descobriu que tinha câncer cerebral terminal em 2002. Aumentando a cada dia a distância que corria, Brodsky, que é arquiteto e filantropo, se propôs a correr a maratona de Nova York em 2003.
"Exigir-me ao máximo parecia a coisa certa a fazer", disse ele. "Mas um radiologista me disse que minha boa forma não tinha relação alguma com minha expectativa de vida. Foi um golpe tremendo. Acho que em algum nível profundo eu sabia disso, mas, quando o ouvi da boca dele, fiquei muito perturbado."
Mesmo assim, um ano e um dia depois de tomar conhecimento de seu diagnóstico, ele atravessou a linha de chegada com seu neurologista a seu lado.
Para os médicos, pacientes como esses representam um desafio. O fato de se fazer exercício físico não é necessariamente positivo. "É possível ultrapassar o limiar do recomendável", disse a fisiologista de exercícios Christine Mermier, da Universidade do Novo México em Albuquerque. "Mas minha experiência indica que pacientes desse tipo tendem a ter muita clareza sobre seus limites. Aqueles que desenvolvem uma paixão real pelo atletismo parecem encontrar uma maneira de percorrer essa corda bamba."


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