São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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Exame de sangue pode ser a causa da onda de diagnósticos errados

TARA PARKER POPE


Exame de sangue pode ser a causa da onde de diagnósticos errados


A hora das refeições costumava ser um drama para Ingelisa Keeling, de Houston, mãe de três filhos com múltiplas alergias. Nozes, ovos, trigo, carne, ervilhas e arroz estavam proibidos por ordem médica -até que recentemente ela descobriu que a dieta familiar não precisava ser tão restritiva.
Embora seus filhos de fato tenham alergias -a amendoim, leite e ovos, entre outros-, exames minuciosos revelaram que, na verdade, as crianças não eram alérgicas a muitos produtos que estavam sendo evitados. O menino de dois anos, que vinha vivendo à base de batata, frutas e fórmula infantil hipoalergênica, voltou a comer trigo, banana, carne, ervilhas, arroz e milho.
"A dieta dele havia se tornado tão restrita que a nutrição virou uma preocupação real", disse Keeling, que no ano passado consultou especialistas da entidade Saúde Judaica Nacional, em Denver, a respeito da dieta e do problema de eczema das crianças. Entre outras coisas, ela descobriu que nenhuma das crianças tinha alergia a trigo. "Isso é o que importa", disse ela. "O trigo está em tudo, então facilita muito a vida [que ele não seja banido das refeições]."
Médicos alertam para uma onda de falsos diagnósticos sobre alergias alimentares, e incontáveis famílias estão desnecessariamente evitando alguns alimentos e gastando centenas de dólares em suplementos hipoalergênicos. Em casos extremos, falsas alergias ameaçam as crianças de desnutrição.
E evitar alimentos devido ao temor infundado de alergias pode estar agravando o problema -por tornar as crianças mais sensíveis a certos alimentos quando finalmente os provam. Estima-se que mais de 11 milhões de americanos, inclusive 3 milhões de crianças, tenham alergias alimentares, em geral a leite, ovos, amendoim e soja.
A prevalência entre crianças cresceu 18% na última década, segundo o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Embora o aumento pareça real, o mesmo se aplica aos falsos diagnósticos.
A culpa parece ser de um exame de sangue, simples e muito disseminado, que busca anticorpos supostamente capazes de indicar uma reação a um alimento. O exame surgiu como uma alternativa rápida e eficaz aos desconfortáveis exames de pele e aos demorados testes práticos, que consistem em ingerir alimentos "suspeitos" sob supervisão médica.
Embora o exame de sangue possa ajudar os médicos a identificar alimentos potencialmente nocivos, ele nem sempre é confiável. Em 2007, a publicação "The Annals of Asthma, Allergy & Immunology" noticiou uma pesquisa do Centro Infantil Johns Hopkins segundo a qual os exames de sangue poderiam subestimar ou superestimar a reação imunológica. Um estudo de 2003 na revista "Pediatrics" mostrou que menos de metade dos resultados positivos nos exames de sangue tinham relação com uma alergia alimentar real.
"O único teste sobre ser ou não alérgico a uma comida é comê-la e não apresentar reação", disse David Fleischer, professor-assistente de pediatria da Saúde Judaica Nacional.
Assim como a alergia indica uma hipersensibilidade a certos alimentos, é possível que pais e médicos tenham se tornado hipersensíveis à alergia alimentar. Em um ensaio publicado em dezembro pelo "British Medical Journal", Nicholas Christakis, professor de Harvard, argumentava que uma "hiper-reação" à alergia está levando a exames desnecessários e a falsos positivos.
"Se a criança está bem, eu aconselharia os pais a não fazerem exame para alergia, porque é mais provável que os resultados sejam falsos positivos do que positivos verdadeiros", disse ele.


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